sexta-feira, 11 de abril de 2014

Recusa à aplicação de lei pelo Executivo, sob fundamento de inconstitucionalidade


Moacir Antonio Machado da Silva


1 – Introdução. 2 – A questão da rejeição à aplicação de lei no sistema anterior à Carta vigente. 2.1 – A controvérsia antes do advento da EC nº 16, de 1965. 2.2 – Rediscussão da matéria no regime da EC nº 16, de 1965. 3 – A rejeição em face do sistema de controle concentrado da Carta de 1988. 3.1 – Inovações no sistema de controle concentrado. 3.2 – Extensão do julgado no controle concentrado a leis de teor idêntico. 3.3 – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.  4 – A Rejeição em face dos meios judiciais de controle de constitucionalidade. 4.1 – Efeitos jurídicos da rejeição e a ação direta de inconstitucionalidade. 4.2 – Pressupostos da rejeição e requisitos da tutela cautelar judicial. 5 – Direito pré-constitucional. 6 – Conclusões.


1 – Introdução
A questão em torno da legitimidade do ato de recusa à aplicação de lei pelo Poder Executivo, sob fundamento de inconstitucionalidade, foi sempre objeto de exame criterioso da doutrina e da jurisprudência no regime das Constituições anteriores do Brasil.
O interesse em tratar da matéria sob o regime da Constituição atual surgiu em razão da constatação da ocorrência de uma multiplicidade de litígios no âmbito de Estado-membro, que também alcançaram o Supremo Tribunal Federal, resultante de ato do Governador, que recusou aplicação a leis estaduais que definiam a remuneração de servidores categorizados do serviço público estadual, provocando quadro grave e prolongado de insegurança jurídica, que será objeto de análise na parte final deste trabalho.
O tema certamente ganhou nova dimensão com as inovações do controle concentrado de constitucionalidade de normas jurídicas, introduzidas no regime da Constituição vigente. Dentre elas, destacam-se, em especial: a) a inclusão do Presidente da República e dos Governadores dos Estados entre os legitimados para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, inclusive para o pleito de medida cautelar de suspensão da eficácia da lei federal ou estadual impugnada; b) em razão de autorização conferida na Constituição Federal, a instituição pelos Estados de representação de inconstitucionalidade de leis estaduais e municipais em face da Constituição Estadual, igualmente dotada de tutela cautelar, para a qual é conferida legitimidade, dentre outros, também aos Governadores e aos Prefeitos dos Municípios; c) a atribuição de efeito vinculante às decisões proferidas não apenas nas ações declaratórias de constitucionalidade como também nas ações diretas de inconstitucionalidade, que alcança decisões judiciais e atos da Administração Pública direta ou indireta de qualquer esfera política, em que esteja em causa a aplicação de lei de conteúdo idêntico àquela objeto do controle concentrado de constitucionalidade; e d) a instituição da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, também cabível para impugnação de leis e atos normativos municipais incompatíveis com preceito fundamental da Constituição Federal.
Diante dessa amplitude do sistema de controle, tem sido novamente colocada em causa a questão de saber se subsiste o poder de rejeição de lei pelo Chefe do Poder Executivo, sob fundamento de inconstitucionalidade.
Admitida, em tese, a legitimidade do poder de rejeição, cumpre identificar seus pressupostos.
Uma vez que a lei rejeitada pelo Executivo poderá ser objeto de ação pertinente ao controle concentrado de constitucionalidade e que o ato de rejeição fica sujeito à impugnação nas ações pertinentes ao sistema difuso, questiona-se se há identidade ou pontos de convergência entre os pressupostos da tutela cautelar nessas ações e os requisitos do ato de recusa à aplicação de lei, bem assim as implicações e eventuais limitações daí decorrentes.
Impõe-se, por fim, destacar as singularidades do poder de rejeição no tocante ao direito pré-constitucional, tendo em vista a instituição da ADPF, que constitui instrumento adequado também para impugnação de leis anteriores incompatíveis com preceito fundamental da nova Constituição.
2 – A questão de rejeição de lei no sistema anterior à Carta vigente
2.1 – A controvérsia antes do advento da EC nº 16, de 1965
A legitimidade da recusa do Poder Executivo à aplicação de lei, sob fundamento de inconstitucionalidade, embora não indene a controvérsias, foi sempre reconhecida no regime dos textos constitucionais anteriores à Carta vigente, na doutrina e na jurisprudência dominantes no Brasil, em especial na do Supremo Tribunal Federal.1
Entre os fundamentos principais desse entendimento, sobreleva o de que a Constituição impõe a todos os Poderes o dever de defender a Constituição, e não apenas ao Judiciário. Especificamente no tocante ao Poder Executivo, textos constitucionais anteriores traziam regras de teor idêntico ao art. 78 da Constituição vigente, conferindo ao Presidente da República o dever de manter, defender e cumprir a Constituição e de observar as leis do País.2
A atividade administrativa, no âmbito dos três Poderes, por outro lado, está subordinada ao regime de estrita legalidade, que compreende, em especial, a lei constitucional. O princípio é o da legalidade constitucional também chamado princípio da juridicidade. No exercício de suas atribuições, a autoridade superior do Executivo, diante de conflito entre norma constante de lei e norma constitucional, deve negar aplicação à lei, em defesa da Constituição. Trata-se de questão atinente à interpretação e à hierarquia das normas jurídicas.3 Em princípio, lei inconstitucional é nula e, portanto, insuscetível de criar direitos ou obrigações.4
Além disso, a autoexecutoriedade é atributo inerente à atividade administrativa, de maneira que a Administração Pública tem a prerrogativa de atuar por si mesma, independentemente de prévio pronunciamento do Judiciário. Na observação de Miranda Lima, não se poderia deixar de reconhecer ao Poder Executivo, o mais atuante na execução das leis, responsável pela condução da política administrativa e financeira e da política externa, o direito de não aplicar a lei que considere inconstitucional.5 A resistência à aplicação de lei reputada inconstitucional, assim, configura verdadeiro poder-dever do Chefe do Poder Executivo.
Algumas objeções foram levantadas a respeito dessa orientação, em especial a da presunção de constitucionalidade das leis, que não poderia ser afastada pelo Poder Executivo; a da ocorrência de preclusão para o exercício dessa prerrogativa, em face da sanção e da promulgação, ou de ausência de veto ao projeto de lei; e, ainda, a da competência privativa do Poder Judiciário para a declaração de inconstitucionalidade das leis.
Esses aparentes óbices, contudo, não abalaram os fundamentos sólidos da doutrina dominante e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A presunção de legitimidade das leis não impede o exercício desse dever constitucional, porque se trata de presunção relativa, que não prevalece quando evidenciado conflito com a Lei Maior, que constitui o fundamento do ato de recusa.
A sanção e a promulgação pelo Chefe do Poder Executivo ou o não-exercício do poder de veto também não anulam o poder de rejeição da lei, porque o dever de cumprimento da Constituição não finda com o desfecho do processo de elaboração legislativa, mas subsiste após o aperfeiçoamento da lei, na fase de sua aplicação ou execução. A inconstitucionalidade nem sempre é vislumbrada no curso do processo legislativo, de feitura da lei, podendo manifestar-se de forma mais clara por ocasião de sua aplicação.6
Também não exclui o poder de rejeição a competência privativa do Poder Judiciário para a declaração de inconstitucionalidade, no sistema constitucional brasileiro. A recusa de aplicação pelo Chefe do Executivo não constitui declaração de nulidade da lei: atinge-a no plano da eficácia, não no da validade, e só é vinculativa para os agentes do Poder Executivo.
Vindo a ser provocado, o Judiciário pronunciará a legitimidade ou a ilegitimidade constitucional da lei, seja nos casos concretos, com efeitos entre as partes, seja em ação direta, no controle concentrado, com eficácia erga omnes, e tais decisões deverão ser rigorosamente observadas pela Administração Pública.
A rejeição à aplicação de lei, sob fundamento de inconstitucionalidade, tanto pode consubstanciar-se em despachos ou decisões individualizadas, concernentes a relações jurídicas concretas, como em atos de caráter normativo, geralmente decretos, casos em que são vinculativos para todos os órgãos subordinados ao Poder Executivo. Em se tratando de atos praticados em casos concretos pelo Chefe do Poder Executivo, os órgãos subordinados estarão obrigados a adotar a mesma solução, se houver determinação do Chefe do Executivo nesse sentido.
Em qualquer hipótese, o ato de rejeição deve ser amplamente motivado, de modo a evidenciar inequivocamente o vício de inconstitucionalidade. A motivação constitui exigência indeclinável em caso de recusa de aplicação, sob pena de nulidade, porque, fundando-se o ato em inconstitucionalidade da lei, que goza de presunção de legitimidade, está necessariamente submetido ao controle jurisdicional de constitucionalidade. Como observa Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “o princípio da motivação exige que o Poder Público indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões (...) A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos”.7
Tratando especificamente da rejeição de lei, sob fundamento de inconstitucionalidade, anota Ana Cláudia Nascimento Gomes que, “num regime administrativo orientado basicamente pelo princípio da legalidade (na vertente de princípio da conformidade), tal decisão somente pode ser vista como uma daquelas integrantes do chamado “grupo de risco”; no qual é “maior a probabilidade e o temor (ou são funestas as consequências) do erro ou do arbítrio da Administração”. E logo em seguida completa: “O dever de fundamentação expressa (como dever instrumental que é) é assim conditio sine qua non para a legitimidade excepcional do “poder de rejeição de lei inconstitucional” e para a perfeição fática e jurídica do ato de desaplicação”. 8
A lei goza de presunção de legitimidade. Trata-se de presunção que não prevalece somente diante de manifesta evidência de inconstitucionalidade, que deve ser demonstrada pelo Chefe do Executivo ao recusar aplicação à lei, como pressuposto de validade do ato e exigência de segurança jurídica. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles, “... não se há de negar ao Chefe do Executivo a faculdade de recusar-se a cumprir ato legislativo infraconstitucional, desde que por ato administrativo formal e expresso (decreto, portaria, despacho, etc.) declare a sua recusa e aponte a inconstitucionalidade de que se reveste”.9
E, por último, o ato deve atender ao princípio da publicidade. Se a recusa de aplicação de lei for traduzida em ato de caráter normativo, vinculativa para os órgãos subordinados ao Poder Executivo, a publicidade deve ser feita no mesmo órgão oficial de publicação das leis.
2.2 – Rediscussão da matéria com o advento da EC nº 16/65                                  
A Emenda Constitucional nº 16, de 25.11.1965, deu nova redação ao art. 101, inciso I, letra k, da Constituição de 1946, inserindo na competência do Supremo Tribunal Federal o processo e julgamento da representação ajuizada pelo Procurador-Geral da República por inconstitucionalidade de leis e atos normativos federais e estaduais.10 Em face dessa inovação, voltou a debate a questão, argumentando-se que, podendo o Chefe do Executivo representar ao Procurador-Geral da República para o ajuizamento da representação, já não haveria razão para admitir-se a recusa de aplicação da lei, que só se justificaria por inexistir outro meio de obter-se o pronunciamento judicial sobre sua legitimidade constitucional.11
O Supremo Tribunal, contudo, reafirmou a antiga orientação. No julgamento da Representação nº 980 – SP, em 21.11.1979, o Plenário da Corte declarou a constitucionalidade de decreto do Governador de Goiás, que determinava aos órgãos subordinados a abstenção da prática de atos que implicassem a execução de dispositivos legais vetados por falta de iniciativa exclusiva do Poder Executivo. Refutando a tese de que a recusa de cumprimento da lei só poderia ser considerada diante das consequências graves e irremediáveis da sua aplicação e da inexistência de alternativa de levar a questão à apreciação do Judiciário, salientou o Relator, Ministro Moreira Alves:
“Essa orientação, como se vê, se apoia em fundamentos puramente pragmáticos, as consequências concretas do ato praticado em observância da lei tida como inconstitucional, ou ser a recusa de sua aplicação o único meio de levar a questão a exame do Judiciário. Ora, em matéria constitucional dessa gravidade, em que estão em jogo princípios como o da supremacia da Constituição, da separação dos Poderes e das prerrogativas deles em sua esfera de competência, não se podem apresentar soluções com base em critério meramente pragmático. É mister que haja um fundamento jurídico, para decidir se pode, ou não, o Poder Executivo, ao praticar ato no âmbito estrito de suas atribuições, deixar de cumprir lei que se lhe afigure contrária à Constituição, cujo respeito impõe necessariamente a observância de sua supremacia. A vingar critério pragmático dessa ordem, ter-se-ia de admitir, no direito brasileiro, que ao Chefe do Executivo Federal não seria lícito deixar de cumprir lei que se lhe afigure inconstitucional, pois, embora o titular exclusivo da ação direta de inconstitucionalidade seja o Procurador-Geral da República, este é funcionário demissível ad nutum daquele, que disporia, portanto, sempre de meio para, afinal, obter a manifestação do Judiciário sobre a inconstitucionalidade, ou não, de uma lei; o mesmo, porém, não ocorreria com os Chefes dos Executivos Estaduais que não poderiam deixar de cumprir leis federais ou estaduais que se lhes afigurassem inconstitucionais, enquanto não provocassem o Procurador-Geral da República para intentar a ação direta, sendo certo, porém, que se este se recusasse a fazê-lo, por entender inexistente a inconstitucionalidade alegada, passariam os Governadores a ter a faculdade de não cumprir as mesmas leis, para que sua recusa ensejasse fosse a matéria submetida à apreciação do Judiciário.”
A EC nº 16/65, que instituiu a ação direta de inconstitucionalidade no sistema constitucional brasileiro, com efeito, não excluiu ou restringiu o poder implícito do Chefe do Executivo de recusar aplicação à lei, sob fundamento de inconstitucionalidade, ao decidir questões de direito inerentes ao exercício de suas atribuições. Não contemplou a Emenda restrição constitucional, explícita ou implícita, ao Chefe do Executivo de rejeitar a aplicação de lei, por inconstitucionalidade, ligada à legitimação conferida ao Procurador-Geral da República para o ajuizamento da representação de inconstitucionalidade.12
3 – A rejeição em face do sistema de controle concentrado da Carta de 1988
3.1 – Inovações no sistema de controle concentrado
Dentre as substanciais inovações no sistema de controle concentrado de constitucionalidade da Carta vigente, duas delas têm mais direta implicação com o tema da rejeição de lei tida por inconstitucional pelo Executivo: a) a inclusão do Presidente da República e do Governador de Estado no rol dos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade de lei federal ou estadual em face da Constituição Federal (CF/88, art. 103); e b) a autorização dada aos Estados para a instituição da representação de inconstitucionalidade de leis e atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, com a vedação de atribuição da legitimação para agir a um único órgão (CF/88, art. 125, § 2º).
As Constituições dos Estados, por seu turno, diante da atribuição conferida no citado art. 125, § 2º, da Constituição de 1988, instituíram a representação de inconstitucionalidade, de competência originária dos respectivos Tribunais de Justiça, incluindo entre os legitimados para seu ajuizamento os Governadores e os Prefeitos dos Municípios.
Em razão dessas inovações introduzidas pela Constituição vigente, o Presidente da República, os Governadores dos Estados e os Prefeitos dos Municípios passaram a dispor de instrumentos processuais seguros e eficientes para afastar a aplicação de leis inconstitucionais, especialmente de medidas cautelares de suspensão dos efeitos das normas impugnadas, de forma a propiciar o pronto restabelecimento da ordem jurídica constitucional. As decisões nas medidas cautelares têm efeitos contra todos, em regra ex nunc, mas podem ter eficácia retroativa, por decisão do Tribunal (ar. 11, § 1º, da Lei nº 9.868/99).13
É verdade que não cabe ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face da Constituição Federal 14. Essa lacuna é em grande parte suprida pela representação de inconstitucionalidade de leis municipais em face das Constituições dos Estados, que repetem dispositivos da Lei Maior de obrigatória observância pelos Estados, de modo que, indiretamente, termina por conferir maior efetividade às normas constitucionais federais.
Na interpretação do citado art. 125, § 2º, da Lei Fundamental, com efeito, o Supremo Tribunal fixou o entendimento de que cabe ao Tribunal de Justiça exercer o controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da Constituição Estadual, mesmo quanto aos seus dispositivos que reproduzem normas da Constituição Federal, caso em que a decisão é passível de recurso extraordinário, quando “a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta”. 15
A legitimação conferida aos Chefes dos Executivos para o ajuizamento de ação direta perante o Supremo Tribunal ou da representação de inconstitucionalidade, junto aos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, inclusive com pedido de medida cautelar de suspensão da eficácia da lei, tem tornado raríssimos os casos de recusa à aplicação de lei no regime da Carta vigente. Se a defesa efetiva e eficaz da Lei Maior ou das Constituições estaduais pode ser assegurada por via dos instrumentos processuais constitucionais destinados precisamente a esse fim, nenhuma razão de ordem prática ou de interesse público estaria a justificar o exercício do poder de rejeição de lei pela autoridade superior do Executivo.
É inegável, porém, que mesmo quanto a leis federais e estaduais havidas por inconstitucionais, a decisão sobre a aplicação ou a recusa de sua aplicação pode ser tão premente que não permita aguardar-se o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade e a decisão judicial sobre o pedido de medida cautelar. Nesses casos, razões superiores de interesse público justificam o ato de rejeição pela autoridade superior do Executivo. Lembre-se ainda que os Prefeitos não dispõem de legitimação para o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade de lei em face da Constituição Federal, de modo que a recusa à sua aplicação, por vezes, é a única medida que pode ser adotada em defesa da ordem jurídica constitucional.
As inovações do sistema de controle esvaziam em grande parte o exercício do poder de rejeição pela autoridade superior do Executivo, mas, estritamente sob o aspecto jurídico-constitucional, não comprometem sua legitimidade, pelas seguintes razões: a) o desempenho da atividade administrativa e, consequentemente, o ato de aplicação ou não aplicação da lei pelo Chefe do Executivo, na esfera de suas atribuições, independem de prévio pronunciamento do Judiciário; b) esse poder inclui-se na competência constitucional implícita da mesma autoridade, decorrente do dever constitucional de defender e cumprir a Constituição (CF/88, art. 78); e c) inexiste limitação constitucional, explícita ou implícita, ao exercício desse poder, ligada à legitimação conferida ao Chefe do Executivo para o ajuizamento da ação direta.16
A legitimidade, em tese, do poder de rejeição, contudo, não implica necessariamente em validade da medida em cada caso concreto. A nulidade do ato de recusa pode decorrer, por exemplo, de erro quanto à inconstitucionalidade da lei ou de desvio de poder da autoridade.  Por outro lado, o ato de rejeição pode ser liminarmente afastado em ações judiciais movidas pelos prejudicados, ou mesmo no controle concentrado, quando inexistente periculum in mora, que é pressuposto da medida cautelar.
3.2 – Extensão do julgado no controle concentrado a leis de teor idêntico
A jurisprudência do Supremo Tribunal admite a reclamação contra atos e decisões do Executivo e do Judiciário relativos à aplicação de lei de teor idêntico àquela que já foi objeto de controle concentrado de constitucionalidade pelo próprio Tribunal. Na decisão que deferiu o pedido de liminar na Reclamação nº 4.987-MC/PE, explicitou o Relator, Ministro Gilmar Mendes: “(...) em relação à lei de teor idêntico àquela que já foi objeto do controle de constitucionalidade do STF, poder-se-á, por meio de reclamação, impugnar a sua aplicação ou rejeição por parte da Administração ou do Judiciário, requerendo-se a declaração incidental de inconstitucionalidade, ou de sua constitucionalidade, conforme o caso”.17
Essa orientação fundamenta-se na destinação constitucional da reclamação, no tocante à garantia de autoridade das decisões do Supremo Tribunal (CF/88, art. 102, letra l) e, ainda, no caráter vinculativo das decisões definitivas de mérito nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade, que produzem eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração pública.
O alcance do efeito vinculante foi definido inicialmente a propósito da ação declaratória de constitucionalidade, introduzida pela EC nº 3/93. No julgamento da Questão de Ordem na ADC nº 1-DF, em 26/10/1993 (RTJ 157/371), que tratava especificamente das ações declaratórias de constitucionalidade, à luz do § 2º do art. 102 da Constituição, acentuou o Relator, Ministro Moreira Alves, que a força vinculante conferida às decisões da Corte, nessas ações, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, teria as seguintes consequências:
“a) se os demais órgãos do Poder Judiciário, nos casos concretos sob seu julgamento, não respeitarem a decisão prolatada nessa ação, a parte prejudicada poderá valer-se do instituto da reclamação para o Supremo Tribunal Federal, a fim de que este garanta a autoridade dessa decisão;
b) essa decisão (e isso se restringe ao dispositivo dela, não abrangendo – como sucede na Alemanha – os seus fundamentos determinantes, até porque a Emenda Constitucional nº 3 só atribui efeito vinculante à própria decisão definitiva de mérito), essa decisão, repito, alcança os atos normativos de igual conteúdo daquele que deu origem a ela, mas que não foi seu objeto, para o fim de, independentemente de nova ação, serem tidos como constitucionais ou inconstitucionais, adstrita essa eficácia aos atos normativos emanados dos demais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo, uma vez que ela não alcança os atos editados pelo Poder Legislativo.”
Em síntese, segundo o entendimento firmado nesse precedente, a cláusula final do art. 102, § 2º, da Constituição, na redação da EC nº 3/93, ou seja, o “efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo” tornava certo que: a) a inobservância da sentença do STF na ação declaratória de constitucionalidade constituía afronta à autoridade desse julgado, dando ensejo à reclamação; b) alcançava os atos normativos do Poder Executivo ou do Poder Judiciário de conteúdo idêntico àquele que foi objeto da ação, para declará-los constitucionais ou inconstitucionais, independentemente de nova ação;18 e c) não atingia leis de conteúdo idêntico, porque o efeito vinculante não se estendia aos atos do Poder Legislativo.
Quanto a esta última ressalva, embora o julgado em ação do controle concentrado não vinculasse diretamente o Legislativo, parece certo que, segundo orientação hoje prevalecente no STF, o art. 102, § 2º, da Constituição, mesmo no regime da EC nº 3/93, podia ser validamente interpretado no sentido de que comportaria o cabimento da reclamação, para impugnar atos do Poder Executivo ou decisões judiciais que aplicassem ou recusassem aplicação a lei de conteúdo idêntico à lei objeto de decisão do Supremo Tribunal Federal declaratória de sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade.
A EC nº 45, de 08.12.2004, inseriu profunda alteração no art. 102, § 2º, da Constituição: a) atribuiu efeito vinculante não apenas às ações declaratórias de constitucionalidade como também às ações diretas de inconstitucionalidade;19 e b) impôs o efeito vinculante “aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.
Diante da nova redação dessa regra constitucional, restou claro que a eficácia vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal não se restringe ao âmbito da própria entidade de direito público que editou a lei objeto da ação declaratória de constitucionalidade ou da ação direta de inconstitucionalidade, tanto assim que confere ela a essas decisões efeito vinculante a todas as esferas políticas, inclusive aos Municípios, cujos atos legislativos não se inserem no sistema de controle concentrado de constitucionalidade da Suprema Corte. Por outro lado, é igualmente certo que, em face da citada regra, o efeito vinculante alcança os atos do Poder Executivo ou as decisões judiciais em que esteja em causa a aplicação de lei, de qualquer esfera política, de teor idêntico à lei cuja constitucionalidade ou inconstitucionalidade tenha sido proclamada pelo Supremo Tribunal Federal.
Na linha da orientação fixada pelo STF, podem ser impugnados, por via da reclamação: a) ato do Poder Executivo ou decisão judicial que tenham aplicado lei da esfera federal, estadual ou municipal, de teor idêntico à lei – federal ou estadual – declarada inconstitucional pelo STF, em ação direta de inconstitucionalidade, ou de lei federal, em ação declaratória de constitucionalidade, caso em que a Suprema Corte deverá declarar, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da lei cuja aplicação foi atacada na reclamação; e b) ato do Executivo ou decisão judicial que tenham recusado aplicação a lei, sob fundamento de inconstitucionalidade, de qualquer esfera política, de teor idêntico à lei – federal ou estadual –, declarada constitucional pelo STF, no julgamento de qualquer das aludidas ações.
Dessa forma, a reclamação pode atacar atos de recusa de aplicação de lei pelos Chefes do Executivo, federal, estadual ou municipal, caso o STF, no controle concentrado, tenha pronunciado a constitucionalidade de lei federal ou estadual de teor idêntico à lei rejeitada, porque a decisão da Suprema Corte tem caráter vinculativo para a Administração pública e, portanto, para as autoridades superiores do Poder Executivo. Diversamente, será legítimo o ato da autoridade superior do Executivo que recusar aplicação a lei de teor idêntico à declarada inconstitucional pelo STF.
Como também foi enfatizado na Reclamação nº 4.987-6-MC/PE, o reconhecimento em sede de reclamação, da possibilidade de exame da constitucionalidade de lei de teor idêntico à lei que foi objeto de controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal não se confunde nem envolve a controvérsia em torno da atribuição de “transcendência aos motivos determinantes” das decisões proferidas no controle abstrato de constitucionalidade de normas.20
3.3 – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
Dentre os instrumentos processuais do controle concentrado de constitucionalidade, cabe especial referência, quanto ao tema, à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF, prevista no art. 102, § 1º, da Constituição, de competência do Supremo Tribunal Federal, cujo objeto, nos termos do art. 1º da Lei nº 9.882, de 03/12/1999, é evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.  É cabível para impugnação não apenas de leis e atos normativos, mas também de atos de efeitos concretos do Poder Público, que afrontem preceito fundamental da Constituição.  
A ADPF tem caráter subsidiário, porque, nos termos do art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, é inadmissível “quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”. Em razão desse princípio, incabível a Arguição de Descumprimento quando couber ou estiver em curso ação, que seja bastante para sanar, de maneira eficaz, a situação de lesividade decorrente do ato estatal. Como refere o Ministro Celso de Mello, é essencial que os instrumentos disponíveis mostrem-se capazes de neutralizar, de maneira eficaz, a situação de lesividade que se busca obstar com o ajuizamento desse writ constitucional”.21
Na definição do alcance das expressões “quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”, constantes da regra do § 1º do art. 4º da Lei nº 9.882/99, o Supremo Tribunal Federal entendeu, inicialmente, que se referiam indistintamente aos meios de impugnação pertinentes ao controle difuso e ao controle concentrado,22 mas, posteriormente, no julgamento da ADPF nº 33-5-PA, Relator Ministro Gilmar Mendes, firmou a Corte entendimento no sentido de que a subsidiariedade devia ser examinada, a priori, unicamente em face dos demais instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade, como resulta destes trechos da ementa do acórdão:23
13. Princípio da subsidiariedade (art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99): inexistência de outro meio eficaz de sanar a lesão, compreendido no contexto da ordem constitucional global, como aquele apto a resolver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata.
14. A existência de processos ordinários e recursos extraordinários não deve excluir, a priori, a utilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental, em virtude da feição marcadamente objetiva dessa ação.
Essa orientação, sem dúvida, é consentânea com a natureza objetiva da ADPF e confere maior efetividade a esse instrumento constitucional na tutela de preceitos fundamentais da Lei Maior. No tocante aos atos de efeitos concretos, que não podem ser objeto de ação relativa ao controle concentrado de constitucionalidade de normas, a admissibilidade da Arguição de Descumprimento não encontra óbice, a priori, no caráter subsidiário desta ação.
Como resulta da ementa do acórdão na ADPF nº 33-5-PA, a exclusão não pode ser feita a priori, resultante da simples existência de meios de impugnação do controle difuso, que abrange a esmagadora maioria dos casos. Deixa em aberto, parece, a questão sobre o cabimento da Arguição de Relevância caso a lesividade tenha sido afastada de maneira eficaz por decisão de amplo alcance, proferida em ação em curso pertinente ao sistema difuso.
Em se tratando de recusa à aplicação de lei, sob fundamento de inconstitucionalidade, sendo cabível a ação direta de inconstitucionalidade, é inadmissível a ADPF e, em contraposição, se incabível referida ação direta, é admissível a Arguição de Descumprimento.   Em razão desses contornos, a ADPF é cabível para impugnação de leis e atos normativos anteriores à Constituição, como, aliás, expresso no art. 1º, par. único, I, da Lei nº 9.882/99, e de lei municipal afrontosa a preceito fundamental da Constituição Federal, não incidindo, nesse ponto, a limitação do art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/1998.
Note-se, porém, que a legitimação para o ajuizamento da ADPF foi conferida apenas aos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, arrolados no art. 103 da Constituição (Lei nº 9.882/99, art. 2º, I), entre os quais não se inclui o Prefeito, razão pela qual não poderá este valer-se da Arguição de Descumprimento para impugnar lei do próprio Município incompatível com preceito fundamental da Lei Maior.
Ainda por força do princípio da subsidiariedade, como salientou o Ministro Celso de Mello, em decisão monocrática na ADPF nº 100-MC, é incabível a Arguição de Descumprimento para impugnar leis estaduais ou municipais inconciliáveis com a Constituição Estadual, na vigência da qual foram editadas, porque o Governador e o Prefeito dispõem de legitimidade para a representação por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal em conflito com a Carta Estadual.24
A orientação fixada nesse julgado é pertinente à hipótese de lei ou ato normativo estadual ou municipal incompatível com normas da Constituição Estadual que reproduzem preceitos fundamentais da Constituição Federal, porque somente estes são objeto de tutela da Arguição de Relevância. No caso da ADPF 100 MC/TO, estava em causa lei complementar municipal, que seria lesiva aos contribuintes, sob a alegação de afronta à isonomia tributária (CF/88, art. 150, II), invocada como o preceito fundamental a justificar o cabimento da Arguição.
Em qualquer caso, a decisão proferida na ADPF tem eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público (Lei n. 9.882/99, art. 10, § 3º). No tocante aos atos de efeitos concretos, a eficácia contra todos significa que a decisão é extensiva não apenas aos órgãos ou autoridades responsáveis (Lei nº 9.882/99, art. 4º, § 2º), mas também a todos os destinatários dos atos questionados.  
O efeito vinculante da decisão que declara a inconstitucionalidade de lei municipal no julgamento da ADPF alcança também atos da Administração e decisões judiciais que tenham aplicado ou venham a aplicar leis e atos normativos de teor idêntico de outros municípios. Em síntese, a reclamação prevista no art. 13 da Lei nº 9.882/99 é cabível em relação a atos administrativos, normativos ou não, do Poder Executivo e a atos e decisões judiciais que deem aplicação não apenas à lei declarada inconstitucional no julgamento da ADPF, mas também a leis de teor idêntico de outros municípios.  
Sob outra ótica, a ADPF constitui instrumento idôneo para impugnar ato do Chefe do Executivo municipal, normativo ou não, de recusa de aplicação de lei federal, estadual ou mesmo municipal, quando afrontoso a preceito fundamental da Constituição Federal, desde que intentada por um dos legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade e para a ação declaratória de constitucionalidade, elencados no art. 103 da Lei Maior.
4 – A rejeição em face dos meios judiciais de controle de constitucionalidade
4.1 – Efeitos jurídicos da rejeição e a ação direta de inconstitucionalidade
A fiel execução das leis constitui dever constitucional do Presidente da República, como disposto nos arts. 78 e 84, VI, da Constituição, bem assim dos Governadores e dos Prefeitos, porque essas disposições são de obrigatória observância na organização dos Estados-membros e Municípios (Constituição, arts. 25 e 29). No âmbito de cada pessoa jurídica de direito público, esse dever tem direta implicação com os princípios da independência dos Poderes e do Estado Democrático de Direito.
Embora excepcionalmente justificado pelo dever de cumprir a Constituição e de impedir eventuais efeitos lesivos que decorreriam da aplicação das normas legais incompatíveis com o texto fundamental, o ato de rejeição cria, em realidade, situação anômala e de grave insegurança jurídica, porque nega aplicação e efetividade à lei, que, nada obstante, subsiste no mundo jurídico.
Impõe-se, por isso, ao Chefe do Poder Executivo que ajuíze ou, se não tiver legitimidade, que represente à autoridade legitimada para que proponha ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, tendo por objeto a lei a que recusou execução. A circunstância de que a lei não está sendo executada em razão da rejeição não afasta o periculum in mora no pedido de cautelar na ação direta, primeiro porque o ato de recusa não tem o efeito nem o alcance da tutela cautelar na ação direta de inconstitucionalidade, e segundo porque está sujeito à impugnação judicial e pode ser cassado inclusive por via de medida liminar ou de antecipação de tutela no controle difuso.
A recusa do Chefe do Executivo à execução de lei, sob fundamento de inconstitucionalidade atinge-a apenas no plano da eficácia, assim mesmo somente no âmbito desse Poder, diversamente do que ocorre no controle em abstrato de constitucionalidade de normas, em que a lei declarada inconstitucional é excluída do mundo jurídico, porque o vício de inconstitucionalidade a atinge no plano da validade.
Não sendo ajuizada a ação direta, o ato de recusa à aplicação da lei deixa antever período longo até que o Poder Judiciário, no controle difuso, venha a pronunciar em caráter definitivo a sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade. Nessa fase, o estado de insegurança jurídica é ainda mais acentuado, diante da contraposição entre o ato de rejeição e o ato legislativo, de caráter vinculativo geral.
O ato de rejeição, na verdade, é suscetível de desencadear multiplicidade de litígios, porque deixa aos destinatários das normas pertinentes, inconformados com a medida, a iniciativa da instauração de processos judiciais, que se prolongam, não raro, por muitos anos. Se, ao final, o Poder Judiciário vier a concluir pela efetiva configuração da inconstitucionalidade da lei, ainda assim a opção pela rejeição pura e simples não poderá justificar o longo período de insegurança e intranquilidade dos seus destinatários, nem os ônus que tiveram de suportar até o desfecho final dos processos judiciais; se, pelo contrário, o Poder Judiciário vier a proclamar a constitucionalidade da lei, o ressarcimento futuro não poderá compensar as agruras, a insegurança e as carências vivenciadas no passado.
A recusa à aplicação de lei, portanto, é medida verdadeiramente excepcional, que só deve ser adotada diante de razões convincentes de sua inconstitucionalidade e quando se imponha em face das circunstâncias. A excepcionalidade do poder de rejeição é destacada nesta precisa observação de Themístocles Cavalcanti: “É de toda evidência que, em princípio, uma lei votada pelo poder legislativo e cuja execução dependa do poder executivo, deva merecer desse último poder toda atenção, a mais rigorosa obediência. Só, portanto, excepcionalmente, quando ocorrerem circunstâncias que imponham comportamento divergente do poder executivo, será lícito a este rebelar-se contra a aplicação de uma lei que contraria o interesse público, por ser inconstitucional. (...) Esta regra é conjugada com a outra que exige, evidentemente, que a inconstitucionalidade esteja acima de qualquer dúvida razoável (...) que haja razões poderosas para a sua decretação (...) ou, na expressão de João Barbalho, haja razões peremptórias25. Identicamente, anota Ana Cláudia Nascimento Gomes que “somente uma qualificação do “poder de rejeição” pela autoridade administrativa como extraordinariamente legítimo pode se compatibilizar, simultaneamente, com o conteúdo do princípio da separação dos poderes hodiernamente constante da CRP e da CF e com a excepcionalidade da situação na qual deverá ser exercido esse poder”.26
Por outro lado, o erro quanto à efetiva caracterização de inconstitucionalidade ou, às vezes, o abuso de poder da autoridade administrativa na prática do ato de rejeição importam em responsabilidade civil da pessoa jurídica de direito público por eventuais danos causados a terceiros. Ademais, o ato de recusa de execução configura, em certos casos, crime de responsabilidade27 e pode constituir causa de intervenção federal no Estado ou de intervenção estadual ou federal no Município.28
A recusa do Estado-membro ou do Distrito Federal à execução de lei federal é causa autônoma e suficiente para o desencadeamento do processo tendente à intervenção da União na unidade federada. A decretação da intervenção depende do provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República (Constituição, art. 36, III, na redação da EC nº 45/2004).29 A matéria concernente à constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei federal deverá ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal como questão prejudicial. Vindo a ser declarada a inconstitucionalidade da lei federal, restará prejudicada a intervenção.
Em se tratando de recusa de Município à aplicação de lei, a intervenção para prover a sua execução cabe ao Estado, relativamente aos seus Municípios, e à União, quanto aos Municípios situados em Território Federal. Assinala Hely Lopes Meirelles que a rejeição pode referir-se à lei federal, estadual ou municipal, podendo compreender inclusive decreto, quando tenha conteúdo de lei em sentido material, nas hipóteses contempladas na Constituição Federal.30
Inexiste território federal no quadro atual da divisão política do território nacional. A Constituição estabelece regras sobre a organização administrativa e judiciária dos territórios federais que vierem a ser instituídos (art. 33). Se for criado Território Federal dividido em Municípios, a decretação da intervenção da União para assegurar a execução de lei dependerá de provimento pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios de representação interventiva do Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal, como salienta José Afonso da Silva, em comentário ao art. 35, IV, da Constituição Federal.31
Sendo o ato de recusa do Prefeito fundado em incompatibilidade da lei federal, estadual ou municipal com a Constituição, essa questão deve ser apreciada como prejudicial à pretensão deduzida na representação interventiva do Procurador-Geral de Justiça, de maneira que se vier a ser reconhecida a inconstitucionalidade pelo Tribunal de Justiça do Estado, igualmente restará prejudicada a representação.
Em qualquer caso, seja para intervenção da União nos Estados ou no Distrito Federal ou em Municípios localizados em Território Federal, ou ainda para intervenção dos Estados em seus Municípios, o Chefe do Poder Executivo deverá limitar-se à suspensão do ato impugnado, se essa medida for suficiente para restabelecer a normalidade constitucional (CF/88, art. 36, § 3º).
Cumpre acentuar que a recusa à execução de lei federal pode decorrer de várias causas, inclusive de natureza estritamente política, sem motivação jurídica. Pode também resultar de conflito entre a lei federal e a legislação local (lei estadual ou municipal), caso em que, envolvendo questão sobre competência legislativa, a matéria é necessariamente de natureza constitucional federal, porque o âmbito de atuação das entidades políticas, aí compreendida a competência para legislar, é definida na Lei Fundamental.
No sistema constitucional vigente, a intervenção da União nos Estados, no Distrito Federal ou nos Municípios integrantes de Território Federal e a intervenção dos Estados em seus Municípios dependem sempre de decisão do STF ou do TJDFT, conforme o caso, que deem provimento a representação do Procurador-Geral da República ou do Procurador-Geral de Justiça, respectivamente, para esse fim. Em qualquer caso, portanto, a intervenção de maneira alguma poderá ser decretada sem provocação dos legitimados para o ajuizamento da representação interventiva e sem decisão do Poder Judiciário.32
4.2 – Pressupostos da rejeição e requisitos da tutela cautelar
A possibilidade de impugnação de lei no controle concentrado de constitucionalidade, inclusive de obter-se a tutela cautelar, torna praticamente injustificável a recusa de sua aplicação pelo Chefe do Poder Executivo, na quase totalidade dos casos, o que, no entanto, não exclui a legitimidade do exercício do poder de rejeição, quando haja tanta urgência na prática do ato ou na decisão administrativa que não seja razoável aguardar-se o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade e o julgamento do pedido de medida cautelar, sem lesão ou grave risco de lesão a valores públicos essenciais.
Recusada a aplicação de lei por inconstitucionalidade, o Chefe do Executivo deve ajuizar ou provocar o ajuizamento de ação direta, com vistas à declaração de inconstitucionalidade do diploma legal (CF/88, arts. 103 e 125, § 2º), inclusive com pedido de suspensão cautelar dos seus efeitos, para que a decisão a respeito supere ou atenue o quanto antes o quadro de insegurança jurídica decorrente do ato de rejeição, que é vinculativo somente para os órgãos do Poder Executivo. Diversamente, a decisão concessiva de medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade reveste-se de eficácia contra todos33 e de efeito vinculante a partir da data da publicação no Diário da Justiça da União da ata da sessão do julgamento em que deferida a medida cautelar.34
A medida cautelar tem por fim antecipar total ou parcialmente os efeitos da decisão final declaratória da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade,35 tendo em vista as relações jurídicas constituídas e ainda pendentes ou que possam constituir-se sob a égide das normas impugnadas. Essas as razões pelas quais, embora em juízo preliminar, o Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, e os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, através do Pleno ou dos respectivos órgãos especiais, procedem ao exame detido e criterioso dos pressupostos das medidas cautelares, ou seja, dos fundamentos jurídicos do pedido de declaração de inconstitucionalidade  e do periculum in mora.
A recusa à aplicação de lei, como se acentuou, está submetida, por igual, a pressupostos rígidos: exige fundamentação convincente sobre a inconstitucionalidade da lei e demonstração das circunstâncias que impuseram a prática do ato. Trata-se, com efeito, de medida excepcional, em que é imperiosa a motivação cabal de inconstitucionalidade, de modo a desfazer a presunção de legitimidade da lei; por outro lado, se não concorrem circunstâncias especiais que justifiquem a medida, o ato de recusa não deve ser praticado. O ato de rejeição, aliás, em certos casos, pode criar situação mais grave do que a resultante da aplicação da lei, o que, por si, já seria bastante para a sua desconstituição judicial (periculum in mora inverso).
É claro, assim, que a demonstração de inconstitucionalidade da lei constitui pressuposto tanto do ato de recusa como do pedido da medida liminar de suspensão de sua eficácia na ação direta de inconstitucionalidade. Ademais, as circunstâncias especiais que justificam o ato de rejeição, em regra, são igualmente demonstrativas do periculum in mora, que é pressuposto da medida cautelar. Quando as razões não são rigorosamente as mesmas, apresentam umas e outras muitos pontos de convergência.
A avaliação prévia sobre a existência dos pressupostos de cabimento da medida liminar a ser requerida para a hipótese de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade, assim, deve constituir dado relevante para a decisão do Chefe do Executivo quanto à aplicação ou recusa de aplicação de lei, considerada inconstitucional. Basta ponderar que, na ausência dos pressupostos da medida cautelar, esta seria indeferida pelo Tribunal competente para o processo e julgamento da ação direta, de modo a tornar insubsistente o ato de rejeição eventualmente praticado.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a dos Tribunais de Justiça dos Estados trazem subsídios valiosos na avaliação do periculum in mora nas medidas cautelares requeridas nas ações do controle concentrado de constitucionalidade. Em salvaguarda da segurança jurídica, por exemplo, a jurisprudência do STF está orientada no sentido do indeferimento de pedidos de liminar tendo em vista o longo período de vigência da lei impugnada, a afastar o perigo da demora,36 ou ainda a circunstância de que a suspensão da eficácia da norma provocaria consequências de tanta ou maior gravidade do que as decorrentes da negação da medida.37
Idêntica ponderação deve ser realizada pelo Chefe do Executivo no tocante às ações pertinentes ao controle difuso, que poderão ser desencadeadas pelos particulares prejudicados, tendentes à desconstituição do próprio ato de rejeição.  Constituem pressupostos das medidas cautelares e das antecipações de tutela requeridas nessas ações o fumus boni iuris, que deve consistir na sustentação de invalidade do ato, em razão da constitucionalidade da lei rejeitada, e o periculum in mora, com demonstração das consequências danosas decorrentes do ato de rejeição.
O Tribunal de Justiça de São Paulo registra precedentes sobre caso de recusa à aplicação de lei que bem ilustram essa situação.  O Governador de São Paulo, em outubro de 1996, sustou a aplicação de leis complementares e decretos estaduais, que determinavam a aplicação aos Procuradores Autárquicos do mesmo sistema de remuneração nelas estabelecido para os Procuradores do Estado, inclusive da parcela de honorários de advogado.
Para justificar essa medida, invocou o Governador a decisão então recente do STF na ADIn MC 1434-0, suspensiva da eficácia das expressões ”vencimentos, vantagens”, constantes do art. 101 da Constituição Estadual de 1989, por força das quais passava a ser impositiva ao legislador a equiparação remuneratória permanente entre essas carreiras.
Paralelamente, o Governador editou Decreto autorizando fossem pagos aos Procuradores Autárquicos, a título de adiantamento, os valores da nova remuneração prevista em projeto de lei complementar, que encaminhou à Assembléia Legislativa, convertido, meses depois, na LC nº 827, de 1997, que reduziu abruptamente os vencimentos que vinham recebendo há muitos anos.
Essas medidas geraram uma multiplicidade de litígios individuais. Após sucessivos julgados das Câmaras de Direito Público do TJSP, que declaravam a nulidade dos atos do Governador, o Órgão Especial do Tribunal veio a declarar a inconstitucionalidade da LC nº 827/97 e, em seguida, a Assembleia Legislativa suspendeu a sua execução. O STF, em sucessivas decisões, não conheceu de recursos extraordinários ou negou provimento a agravos de instrumento do Estado de São Paulo ou do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, tendentes à reforma de acórdãos do Tribunal de Justiça, que reconheceram o direito postulado pelos integrantes da categoria.38 Por último, o Estado editou a LC 1.077, de 2008, que restabeleceu a remuneração dos Procuradores de Autarquias, como prevista na Lei Complementar 724/93,  que reproduzia, nessa parte, leis complementares editadas no regime da Constituição Estadual anterior.
Em realidade, a recusa à aplicação das leis complementares estaduais não atendia aos pressupostos requeridos para o ato, a começar porque o sistema de remuneração dos Procuradores Autárquicos, idêntico aos dos Procuradores do Estado, vinha sendo contemplado no direito estadual há cerca de duas décadas, em sucessivas leis complementares, desde o regime constitucional anterior, sem contestação, de modo que não se configuravam circunstâncias especiais que pudessem justificar a rejeição das leis.39
Por outro lado, as Leis Complementares estaduais, editadas no regime da EC nº 1/69 e reproduzidas na vigência da Constituição de 1988, que determinaram a extensão aos Procuradores Autárquicos do sistema de remuneração nelas estabelecido para os Procuradores do Estado, não afrontavam a regra proibitiva de equiparação contemplada na Constituição anterior e repetida na Constituição de 1988.
A atribuição de remuneração a determinada categoria de servidores idêntica à concedida à outra categoria, por desígnio autônomo do legislador, com efeito, não infringe a regra do art. 37, XIII, da Constituição. Segundo a iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal, a vedação do citado preceito constitucional, que reproduz a regra do art. 98, par. único, da EC nº 1, de 1969, não alcança a hipótese de atribuição de vencimentos ou vantagens pecuniárias a uma determinada categoria de servidores nas mesmas bases dos deferidos a outra carreira do funcionalismo público, desde que a norma jurídica correspondente não imponha majorações automáticas da remuneração de cargos, resultantes de aumentos futuros de vencimentos de outros cargos, tidos como paradigmas.40
Inteiramente diversa a questão em torno do art. 101 da Constituição do Estado, objeto da ADIn MC 1.434-0/SP. As expressões “vencimentos, vantagens”, constantes do dispositivo, declaradas inconstitucionais pelo Supremo tribunal Federal, tornavam impositiva ao legislador estadual a equiparação de remuneração entre as duas carreiras, de forma que a lei futura de aumento de vencimentos de uma categoria levaria à majoração automática da outra, gerando o chamado “efeito cascata”, vedado no art. 37, XIII, da Constituição Federal.
Essa parece ter sido a razão pela qual o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do mérito da ADIn 1434-0-SP, relatada pelo Ministro Sepúlveda Pertence, anotou que a declaração de invalidade das expressões “vencimentos, vantagens” do art. 101 da Constituição do Estado de 1989, por si, não alcançava a irredutibilidade da remuneração dos Procuradores Autárquicos,  deixando consignada essa ressalva na própria ementa do acórdão, verbis:
“3. O princípio da irredutibilidade de vencimentos não inibe a declaração de inconstitucionalidade da norma de equiparação questionada” (refere-se ao art. 101 da Constituição de São Paulo), cuja invalidade, de resto, não alcança, por si só, a irredutibilidade da remuneração das carreiras consideradas, na medida em que, como se afirma, decorre ela de leis válidas anteriores que a ambas hajam atribuído os mesmos vencimentos”
Os precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo nessa controvérsia põem à mostra que o ato de rejeição de lei pela autoridade superior do Executivo está submetido a pressupostos rígidos, quanto à efetiva inconstitucionalidade da lei e também quanto à existência de circunstâncias que imponham a prática do ato. Por outro lado, a jurisprudência em torno dos requisitos para a concessão de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade ou para o deferimento de liminares ou antecipações de tutela nas ações pertinentes ao controle difuso, que venham a ser ajuizadas por particulares prejudicados pelo ato, constituem subsídios relevantes para avaliação das circunstâncias que devem nortear a decisão a ser tomada pelo Chefe do Executivo na matéria. No caso relatado, a recusa à aplicação não atendia qualquer dos pressupostos do ato de recusa à aplicação das leis, ressentindo-se, portanto, de nulidade.    
Diante de lei tida por inconstitucional, a iniciativa do Chefe do Executivo de provocar, ele próprio, na condição de legitimado para a ação direta de inconstitucionalidade, o pronunciamento do órgão judicial competente é consentânea com a defesa da normalidade da ordem jurídica constitucional e da exigência de segurança jurídica. A provocação judicial é, aliás, o procedimento que tem sido observado, a julgar pelos raríssimos casos de recusa do Poder Executivo à aplicação de lei sob a pecha de inconstitucionalidade, no regime da ordem constitucional em vigor.
5 - Direito pré-constitucional
Questão peculiar é a de recusa à aplicação de lei anterior materialmente incompatível com a Constituição superveniente. Por ocasião do advento de uma nova Constituição ou de reforma constitucional, a revogação ou não do direito anterior é assunto de que se ocupam os destinatários das normas pertinentes, em especial a Administração Pública, no vasto domínio e a propósito do exercício de suas atribuições.
Anota Ana Cláudia Nascimento Gomes que as leis pré-constitucionais, “pela sua própria edição pretérita, carecem de ser confrontadas com a ordem constitucional superveniente; e tal necessidade é, obviamente, muito mais intensa do que relativamente à que decorre de qualquer lei pós-constitucional”. Acrescenta que a autoridade administrativa se encontra num âmbito “aonde a presunção de constitucionalidade das leis não tem o mesmo vigor do que aquela decorrente da produção legislativa pós-constitucional”.41
A questão assume maior dimensão nos casos de dúvida acerca da recepção de leis pré-constitucionais que continuaram a ser aplicadas no regime da nova ordem constitucional.
Em relação às leis pré-constitucionais, não é possível o controle por via de ação direta de inconstitucionalidade no Direito brasileiro. A jurisprudência do Supremo Tribunal, firmada no regime constitucional anterior42 e reafirmada sob a Constituição vigente, orientou-se no sentido de ser incabível a ação, sob o fundamento de que a incompatibilidade entre normas pré-constitucionais e a Constituição encerra unicamente juízo de revogação, questão de direito intertemporal, fundada no princípio “lex posterior derogat priori”, e não um juízo de inconstitucionalidade em face da nova Constituição. Essa orientação é resumida na ementa do acórdão proferido da ADIn 2-1-DF, verbis: “O vício de inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente: nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, as leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária”.43
A figura da revogação, ao ver da corrente doutrinária que se posiciona em sentido contrário, não seria suficiente, por si, para afastar a existência de questão constitucional, porque não exclui a causa, que é a incompatibilidade da lei ou ato normativo com o texto constitucional superveniente. No próprio sistema constitucional brasileiro, a incompatibilidade entre lei ou ato normativo anterior e a Constituição dá ensejo à interposição de recurso extraordinário, que só é admitido em matéria constitucional. E a ADPF, que também se insere no sistema de controle concentrado de constitucionalidade, é cabível para a impugnação de lei ou ato normativo pré-constitucional com a Constituição (Lei nº 9.882/99, art. 1º, I), a evidenciar a configuração de questão constitucional também no tocante a esse instrumento processual (CF/88, art. 102, § 1º).
A orientação fixada na jurisprudência do STF, porém, encontra fundamento autônomo e suficiente no próprio teor do art. 102, I, a, da Constituição, desde que interpretado no sentido de que a ação direta de inconstitucionalidade foi concebida para a defesa da Constituição, como forma de reprimir a atividade legislativa e normativa pós-constitucional divorciada dos seus comandos. É o que resulta da primeira parte da ementa do acórdão na aludida ADIn 2-1-DF. Nessa perspectiva, o fenômeno jurídico da revogação não constitui fundamento de exclusão do direito pré-constitucional do âmbito da ação direta de inconstitucionalidade, mas sim apenas referência indicativa de que as leis anteriores estão subtraídas do alcance do citado preceito constitucional.
A ADPF, como se referiu linhas atrás, reveste-se de excepcionalidade, porque, por força do art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, é inadmissível “quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade”.44
Cumpre ter presente também que esse novo instituto processual não é cabível em todos os casos de incompatibilidade entre lei e ato normativo e a Constituição, mas somente quando esteja em causa questão em torno de descumprimento de preceito fundamental, conceito cuja exata abrangência depende de delimitação na jurisprudência do STF.
A respeito da rejeição pelo Executivo de leis anteriores, que continuam a ser aplicadas por longo tempo, sem contestação formal quanto à sua legitimidade em face da Constituição, entram em cena com mais vigor os princípios da segurança jurídica e da boa fé dos destinatários das normas. Se as novas normas constitucionais apenas reproduzem regras constitucionais da ordem constitucional precedente, a presunção é a de legitimidade das leis que tratam da matéria e, dessa forma, deve ser precedida de fundamentação consistente e de ponderações especiais a iniciativa do Chefe do Executivo em recusar-lhes aplicação, sob fundamento de inconstitucionalidade.
6– Conclusões
6.1.            Nos regimes constitucionais anteriores à Carta de 1988, a legitimidade da recusa pelo Executivo à aplicação de lei, sob fundamento de inconstitucionalidade, foi reconhecida na doutrina dominante e na jurisprudência, inclusive e em especial na do Supremo Tribunal Federal. Essa orientação foi reafirmada na vigência da EC nº 16, de 1965, que instituiu a representação do Procurador-Geral da República por inconstitucionalidade de leis e atos normativos federais e estaduais.
As profundas inovações introduzidas no regime da Constituição vigente no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade de normas tornaram raríssimos os casos de recusa à aplicação de lei pelos Chefes do Executivo. Não tiveram, porém, o efeito de excluir o poder de rejeição, que subsiste na vigência da nova Constituição, pelas seguintes razões essenciais: a) o desempenho da atividade administrativa e, consequentemente, o ato de aplicação ou não da lei pelo Chefe do Executivo, na esfera de suas atribuições, independe de prévio pronunciamento do Judiciário; b) esse poder inclui-se na competência constitucional implícita da mesma autoridade, decorrente do dever constitucional de defender e cumprir a Constituição; e c) inexiste limitação constitucional, explícita ou implícita, ligada à legitimação para a ação direta de inconstitucionalidade, ao exercício do poder de rejeição de lei inconstitucional.
6.2.             A rejeição pura e simples de lei, vinculativa apenas para os órgãos subordinados do Executivo e desprovida da força e dos atributos das decisões judiciais, expõe quadro grave de incerteza do direito e desencadeia, não raro, multiplicidade de litígios. Dessa forma, sempre que possível, deve o Chefe do Executivo optar pela propositura da ação direta ou da representação de inconstitucionalidade, em lugar de rejeitar a aplicação de lei. Caso as circunstâncias tenham tornado impositiva a recusa à aplicação de lei, a autoridade superior do Executivo, diante do quadro de anormalidade jurídica daí resultante, deve ajuizar tão cedo quanto possível a ação direta ou a representação de inconstitucionalidade, com pedido de liminar, ou, se não tiver legitimidade, deve representar à autoridade legitimada para proceder nesse sentido.
Não sendo ajuizada a ação direta, com efeito, agrava-se ainda mais o quadro de insegurança jurídica, que costuma prolongar-se no tempo, até que seja pronunciada, em caráter definitivo, a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei, no controle difuso, ou que se venha a adotar solução legislativa na matéria.
Deve atentar-se, ademais, para as consequências do erro quanto à efetiva caracterização de inconstitucionalidade ou, às vezes, do abuso de autoridade na prática do ato de rejeição. Essa situação pode desencadear processo de responsabilização civil da pessoa jurídica de direito público por eventuais danos causados a terceiros. O ato de recusa de execução configura, em certos casos, crime de responsabilidade e, em alguns outros, constitui causa de intervenção federal no Estado ou de intervenção no Município. A recusa do Estado-membro ou do Distrito Federal à execução de lei federal é causa autônoma para o desencadeamento do processo de intervenção da União na unidade federada. Em se tratando de recusa de Município à execução de lei, a intervenção para prover a sua execução cabe ao Estado, relativamente aos seus Municípios, e à União, quanto aos Municípios situados em Território Federal.
A recusa à aplicação de lei, portanto, é medida verdadeiramente excepcional, que depende do concurso dos seguintes pressupostos: 1º) fundadas razões de sua inconstitucionalidade, suficientes para desfazer a presunção de legitimidade da lei; e 2º) concurso de circunstâncias que torne imperativo e inadiável o ato de rejeição. Esses requisitos do ato de rejeição constituem também, quase sempre, razões demonstrativas dos pressupostos da medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade. O primeiro requisito do ato de rejeição corresponde ao fumus boni iuris da medida cautelar na ação direta, ao passo que as circunstâncias especiais que justificam o ato de rejeição, quase sempre, são igualmente demonstrativas do periculum in mora, que é pressuposto da medida cautelar. Quando as razões não são rigorosamente as mesmas, apresentam umas e outras muitos pontos de convergência.
Assim, além da relevância dos fundamentos jurídicos do pedido, a avaliação prévia sobre a existência do pressuposto do periculum in mora para o requerimento de medida liminar na ação direta de inconstitucionalidade deve constituir dado relevante para a decisão do Chefe do Executivo quanto à aplicação ou recusa de aplicação de lei considerada inconstitucional.
A jurisprudência do STF define parâmetros para a aferição desse pressuposto, que orientam casos similares ou semelhantes. Assim, por exemplo, a Corte registra precedentes de indeferimento de pedidos de liminar tendo em vista o longo período de vigência da lei impugnada, a afastar o perigo da demora; ou ainda diante da circunstância de que a suspensão abrupta da eficácia da norma provocaria consequências de tanta ou maior gravidade do que as decorrentes da negação da medida.
6.3.               Quanto à lei pré-constitucional aplicada por longo período na vigência da antiga e da nova Constituição, sem contestação formal quanto à sua legitimidade, a recusa abrupta à sua aplicação afeta de forma ainda mais contundente a segurança jurídica e a boa-fé dos seus destinatários, razão pela qual se reveste de extrema excepcionalidade. Sendo incabível ação direta de inconstitucionalidade em relação a lei anterior à Constituição, a ADPF, desde que presentes os demais pressupostos de seu cabimento, constitui o único meio de provocar a atividade jurisdicional do controle concentrado de constitucionalidade.
                                                                                                    Abril de 2014
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  1. Representação nº 512-RN, Rel. Ministro Pedro Chaves, RDA, vol. 76, abr/jun 1964, pp. 308-309; RMS nº 2.497-SP, Rel. Ministro Nelson Hungria, Tribunal Pleno, DJ 28/10/1954, RDA 42/250; e RMS 4.211 - PB, Rel. Ministro Cândido Motta, Tribunal Pleno, DJ 16/08/1957, RTJ 2/386. Na Representação nº 980-SP, Rel. Ministro Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJ 19/09/1980, faz-se referência a vários outros precedentes do STF, indicados pelo Ministro Prado Kelly na matéria: RP nº 322-GO, Rel. Ministro Cândido Motta, Tribunal Pleno, DJ 12/12/1957, RTJ 3/760; RMS nº 2.386, Rel. Ministro Afrânio Costa, Tribunal Pleno, julg. 27/04/1955; RMS nº 7.234, Rel. Ministro Hahnemann Guimarães, Tribunal Pleno, julg. 08/09/1960, RDA 59/338; RE nº 55.718-SP, Rel. Ministro Hermes Lima, Tribunal Pleno, DJ 24/03/1965, RTJ 32/134; e MS nº 14.557-SP. Rel. Ministro Cândido Motta, Tribunal Pleno, DJ 23/06/1965, RTJ 33/226. Pode ainda ser citado o RMS nº 13.950-SP, Rel. Ministro Amaral Santos, Tribunal Pleno, DJ 11/12/1968, RDA 97/116. Na doutrina, dentre outros, Francisco Campos, Direito Constitucional, 1956, vol. I, p 442-443; Lúcio Bittencourt, O Controle Jurisdicional de Constitucionalidade das Leis, Forense, Rio, 1949, p. 41, Carlos Maximiliano, Comentários à Constituição Brasileira, Ed. Da Livraria do Globo, Porto Alegre, 1929, 3. ed., p.312; Miguel Reale, Parecer, Diário Oficial do Estado de São Paulo de 19.03.1963; Adroaldo Mesquita da Costa, Parecer de 07.05.1965, Arquivos do Ministério da Justiça, ano XXIII, nº 95, set./1965; Themístocles Brandão Cavalcante Do Controle de Constitucionalidade, Rio de Janeiro, Forense, 1966, p. 178; Miranda Lima, Parecer de 24.05.1965, Arquivos do Ministério da Justiça nº 95, set/1965; e Caio Tácito, Anulação de leis inconstitucionais, RDA 59, jan/mar 1960, p. 339-350. Já no regime da Constituição vigente, podem ser referidos, dentre outros: Ronaldo Poletti, Controle da Constitucionalidade das Leis, Forense, Rio de Janeiro, 1998, 2. ed., p. 129-148 e Alexandre  de Moraes, Direito Constitucional, SP, Atlas, 2002, p.26.
  2. CF de 1891, art. 44; CF de 1934, art. 53; CF de 1946, art. 83, par. único; CF de 1967, art. 78, § 1º, e EC nº 1/69, art. 76.
  3. Observou, a respeito, Themístocles Brandão Cavalcante: “O que tem sido admitido é permitir aos responsáveis pela política administrativa a não aplicação de leis inconstitucionais usando do processo usual de interpretação que consiste na aplicação da lei hierarquicamente superior, que exclui, desde logo, a aplicação da lei menor que com ela vem colidir” (Do Controle de Constitucionalidade, Rio de Janeiro, Forense, 1966, p. 178).
  4. Em Parecer de 10.05.1961, o então Consultor-Geral da República, Caio Mário da Silva Pereira, citando Ruy Barbosa, assim sintetizou o entendimento então prevalecente: “Nula é a lei que fere a Constituição. Nula e nenhuma. A declaração de inconstitucionalidade formal somente pelo Poder Judiciário pode ser pronunciada. Mas, se a autoridade administrativa se depara uma norma viciada do mais grave de seus defeitos, que é a contravenção à Carta Maior, não é seu dever aplicá-la, porque, ao fazê-lo, para prestigiá-la, desprestigia a Constituição mesma.” (Comentários à Constituição Brasileira, vol. I, p.20), (Parecer D-24 in Pareceres do Consultor-Geral da República, março a agosto de 1961, Serviço Gráfico do IBGE, p. 196).
  5. L. C. de Miranda Lima.  Parecer de 24.05.1965, Revista Arquivos do Ministério da Justiça nº 95, set/1965, p. 57.
  6. Nota Gilmar Mendes que suposta coerência só agravaria o desrespeito à Constituição. Cita Miranda Lima, segundo o qual se o Poder Executivo, inadvertidamente, sanciona projeto de lei incompatível com a Constituição, adiante, alertado de seu erro, no cumprimento de seu dever constitucional de mantê-la e defendê-la, há de buscar corrigi-lo e, se outro meio não encontrar para tanto, senão a recusa em aplicar a lei, deixará de lhe dar aplicação. (Mendes, Gilmar Ferreira. O Poder Executivo e o Poder Legislativo no controle de constitucionalidade, Revista de Informação Legislativa, Brasília a. 34 n. 134 abr./jun. 1999, p. 20).
  7. Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 13. ed., São Paulo: Atlas, 2001, p. 82.
  8. Gomes, Ana Cláudia Nascimento. O Poder de Rejeição de Leis Inconstitucionais pela Autoridade Administrativa no Direito Português e no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 341-342.
  9. Meirelles, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 10ª ed., 1998. Em edição mais recente, repete o Autor: “A lei municipal inconstitucional pode deixar de ser cumprida pelo prefeito, pois, como chefe do Executivo local, tem o dever de não aplicar norma contrária à Constituição; mas em tal caso deve justificar sua recusa para não incidir no crime previsto no  art. 1º, XIV,  do Decreto-lei  201, de 27.2.1967” (ob. cit, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros Editores, 16ª Ed. 2008, p. 124).  
  10. O art. 2º da Emenda Constitucional nº 16, de 26.11.1965, deu nova redação à alínea k do art. 101, inciso I, da Constituição de 1946, que passou a ter o seguinte teor:
“Art. 101 – Ao Supremo Tribunal Federal compete:
Inciso I - processar e julgar originariamente:
(...)
k – a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou             estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República.”
  1. Refere Ruy Carlos de Barros Monteiro que, com o advento da EC nº 16, de 1965, surgiu verdadeira corrente intermediária, segundo a qual não mais se justificaria a recusa de aplicação, porque a questão constitucional poderia ser levada à cognição da Suprema Corte e ainda porque o princípio da separação dos Poderes foi concebido também para que o poder que executa não possa fazer as leis nem julgar de sua aplicação (O argumento da inconstitucionalidade e o repúdio da lei pelo Executivo, Revista Forense, vol. 284, out/dez 1983, p. 101).
  2. Sustentou, a propósito, Francisco Campos:Cada Poder tem a contar consigo mesmo para dirimir as questões relativas à sua competência. Consequentemente, recusar aos Poderes Executivo e Legislativo a faculdade de interpretar a Constituição e, por força disso, tomar decisões, seria instalar, nos dois grandes motores da política nacional, o princípio da inércia e da irresponsabilidade. Estar-se-ia paralisando o funcionamento do Estado por um sistema de frenação e obstrução permanentes” (Francisco Campos, Direito Constitucional, Freitas Bastos, Rio, vol. I, p. 442; esse trecho foi também reproduzido no voto do Ministro Luiz Gallotti no RMS nº 7.234 , RDA 59, p. 351-352).
  3. O § 1º do art. 11 da Lei 9.868, de 1999, dispõe que “a medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com eficácia ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deve conceder-lhe eficácia retroativa”.
  4. V.g., ADIn 409-3, Rel. Ministro Celso de Mello, RTJ 134/1066; ADIn 1375-1, Rel. Ministro Moreira Alves, e ADIn 1.536-2, Rel. Ministro Marco Aurélio, 14.9.97.
  5. Reclamação nº 383-SP, Rel. Ministro Moreira Alves, RTJ 147, p. 404-507. Este o teor da ementa do acórdão nessa Reclamação:
“Reclamação com fundamento na preservação da competência do Supremo Tribunal Federal. Ação  direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos constitucionais federais de observância obrigatória pelos Estados. Eficácia jurídica desses dispositivos constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos Estados-membros. - Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente.”
Por despacho na Petição nº 1.120-1/SP, o Ministro Celso de Mello, referiu esse precedente da Corte,  reconhecendo o cabimento de recurso extraordinário para o STF de decisão do Tribunal de Justiça, proferida em representação de inconstitucionalidade de lei municipal em face de norma da Constituição Estadual, que reproduz norma da Constituição Federal de observância obrigatória pelos Estados, acrescentando que a regra do art. 4º da Lei nº 8.437/92 tem aplicação restrita aos processos subjetivos, não se estendendo ao processo  objetivo de fiscalização abstrata de constitucionalidade de normas (RDA vol. 204, p. 249 a 253).
  1. A jurisprudência registra precedentes nesse sentido. Sob o regime da Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal, embora tenha julgado prejudicado o pedido de liminar na ADIn nº 221-0-DF, deixou consignado na ementa do acórdão,verbis: “O controle de constitucionalidade da lei ou dos atos normativos é da competência exclusiva do Poder Judiciário. Os Poderes Executivo e Legislativo, por sua chefia – e isso mesmo tem sido questionado com o alargamento da legitimação ativa na ação direta de inconstitucionalidade –, podem tão só determinar aos seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais” (Relator Ministro Moreira Alves, DJU de 28.10.1993). No julgamento do Recurso Especial nº 23.121-1-GO, o Superior Tribunal de Justiça, por igual, invocando a jurisprudência da Suprema Corte, firmada no regime das Constituições anteriores, decidiu ser legítima a recusa do Governador de Goiás em aplicar dispositivo de lei editada em 1990, sob fundamento de inconstitucionalidade (Recurso Especial nº 23.121-1-GO, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ de 08.11.1993).
  2. V.g., Reclamação nº 2.986- MC/SE, Relator Ministro Celso de Mello, DJ de 18.3.2005; e Reclamação nº 4.250 MC/PE, Relator Ministro Cezar Peluso, 22.5.2006; e Reclamação nº 4.987-6-MC/PE, Relator Ministro Gilmar Mendes, de 07.3.2007 (DJ de 13.3.2007, p. 28).
  3. Mesmo no regime anterior à EC nº 3/93, a jurisprudência do STF já havia definido orientação no sentido do cabimento da reclamação, prevista no art. 102, I, letra l, da CF, tendente à declaração de nulidade de atos administrativos praticados em conformidade com ato normativo declarado inconstitucional pelo STF ou de ato normativo posterior de idêntico conteúdo, editado pelo mesmo órgão, em afronta à autoridade de decisão da Corte proferida em ação direta de inconstitucionalidade (v.g., Reclamações 389/PR e 390-6/RS, julgadas em 23.06.93, Relator Ministro Néri da Silveira, DJ de 09.11.93?; Reclamação nº 399-RS, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgada em 07/10/93, DJ de 24/03/95). Em voto proferido na Reclamação nº 399-RS, assinalou o Ministro Néri da Silveira: “O Tribunal firmou orientação no sentido de ser cabível reclamação contra o mesmo órgão que, tendo expedido o ato normativo declarado inconstitucional, o reedita, em outro ato, com igual conteúdo ou idêntica normatividade”.   
  4. A Lei nº 9.868/97, no art. 28, par. único, já havia estendido o efeito vinculante às decisões definitivas de mérito nas ações diretas de inconstitucionalidade. A constitucionalidade desse dispositivo foi reconhecida no julgamento do Ag. Reg. na Reclamação nº 1.880-6-SP (Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ de 19.03.2004). Estes trechos da ementa do acórdão são bem elucidativos a respeito:
“É constitucional lei ordinária que define como de eficácia vinculante os julgamentos definitivos de mérito proferidos pelo Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade (Lei nº 9.868/93, artigo 28, parágrafo único).
(...)
A eficácia vinculante da ação declaratória de constitucionalidade, fixada no § 2º do artigo 102 da Carta da República, não se distingue, em essência, dos efeitos das decisões de mérito proferidas nas ações diretas de inconstitucionalidade.”
  1. A edição de lei de teor idêntico à lei anteriormente declarada inconstitucional pelo STF, no controle abstrato de constitucionalidade de normas, é bastante para configurar afronta à autoridade de decisão da Corte, que constitui hipótese de cabimento da reclamação. Em decisão sobre pedido de liminar na Reclamação nº 4.987, acentuou a respeito o Ministro Gilmar Mendes: “Creio que tal controvérsia reside não na concessão de efeito vinculante aos motivos determinantes das decisões em controle abstrato de constitucionalidade, mas na possibilidade de se analisar, em sede de reclamação, a constitucionalidade de lei de teor idêntico ou semelhante à lei que já foi objeto da fiscalização abstrata de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal” (DJ de 13.03.2007, p. 28).
A tese concernente à “transcendência dos motivos determinantes” não é pacífica no Supremo Tribunal Federal (v.g., Reclamações ns. 4.219/SP e 3.014/DF). Por essa razão, em homenagem ao princípio da colegialidade, não se tem admitido a reclamação, enquanto não for fixada orientação quanto à prevalência dessa teoria no Plenário da Suprema Corte (v.g., Rcl 7.280-MC/SP, Ministro Celso de Mello, e Rcl 8.470/DF (Relatora Ministra Ellen Gracie, DJE de 25/06/2009). Neste último, anota a Ministra Ellen Gracie que, “em respeito ao princípio da colegialidade,(...) não é possível a aplicação da transcendência dos motivos determinantes enquanto não houver a manifestação expressa da atual composição do Plenário do Supremo Tribunal Federal favorável a essa teoria.”
  1. Esta, na íntegra, a advertência do Ministro Celso de Mello: “A mera possibilidade de utilização de outros meios processuais, contudo, não basta, só por si, para justificar a invocação do princípio da subsidiariedade, pois, para que esse postulado possa legitimamente incidir - impedindo, desse modo, o acesso imediato à arguição de descumprimento de preceito fundamental - revela-se essencial que os instrumentos disponíveis mostrem-se capazes de neutralizar, de maneira eficaz, a situação de lesividade que se busca obstar com o ajuizamento desse writ constitucional. (...). Incide, na espécie, por isso mesmo, o pressuposto negativo de admissibilidade a que se refere o art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, circunstância esta que torna plenamente invocável, no caso, a cláusula da subsidiariedade, que atua --- ante as razões já expostas -- como causa obstativa do ajuizamento, perante esta Suprema Corte, da arguição de descumprimento de preceito fundamental” (ADPF 100-MC, DJE de 18-12-08).
  2. O acórdão proferido na ADPF nº 17/AP bem resume essa orientação, como se verifica do voto do Relator, Ministro Celso de Mello, ao esclarecer que o Tribunal, “... tendo em consideração o princípio da subsidiariedade, não conheceu, quer em sede plenária (ADPF 3-CE, Rel. Min. Sidney Sanches), quer, ainda,em decisões monocráticas (ADPF 12-DF, - ADPF 13-SP, Rel. Min. Ilmar Galvão), de arguições de descumprimento de preceito fundamental, precisamente por entender que existiam, no contexto delineado naquelas ações, outros meios processuais - tais como o mandado de segurança, a ação direta de inconstitucionalidade (por violação positiva da Carta Política), o agravo regimental e o recurso extraordinário (que admitem, excepcionalmente, a possibilidade de outorga cautelar de efeito suspensivo) e a reclamação -, todos eles aptos a neutralizar a suposta lesividade dos atos impugnados” (DJU de 14.02.2003).
  3. ADPF nº 33-5/PA, Pleno, DJ de 27/08/2006. A orientação definida nesse precedente pode ser resumida nesta passagem do voto do Relator:
“Assim, tendo em vista o caráter acentuadamente objetivo da arguição de descumprimento, o juízo de subsidiariedade há de ter em vista, especialmente, os demais processos objetivos já consolidados no sistema constitucional. Nesse caso, cabível a ação direta de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, ou ainda, a ação de inconstitucionalidade por omissão, não será admissível a arguição de descumprimento. Em sentido contrário, não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, isto é, não se verificando a existência de meio apto para sanar a controvérsia constitucional, relevante de forma ampla e imediata, há de se entender possível a utilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental.
  1. Em obra doutrinária, assinala o Ministro Gilmar Mendes que o Supremo Tribunal, “em diversos julgados, tem se limitado a reconhecer o efeito vinculante em relação à Administração e aos órgãos judiciais” e completa: “De qualquer forma, será sempre admissível a propositura de reclamação sob a alegação de não observância de decisão ao STF, no caso originário, com pedido de declaração de inconstitucionalidade incidental de norma de teor idêntico que foi objeto da declaração de inconstitucionalidade em ADPF” (Mendes, Gilmar Ferreira. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental : comentários à Lei n. 9.882, de 3.12.1999. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 2011, p. 131).
  2. CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Parecer, cit., p. 46.
  3. Gomes, Ana Cláudia Nascimento. O Poder de Rejeição de Leis Inconstitucionais pela Autoridade Administrativa no Direito Português e no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 111. Logo adiante, completa a Autora: “Deste modo, estando configurado o “poder de rejeição de leis inconstitucionais” pela autoridade administrativa como extraordinariamente legítimo (cabível apenas  em determinadas circunstâncias, quando demonstrada a necessidade de seu exercício para a garantia da eficácia normativa dos preceitos constitucionais), dever-se-á investigar agora, portanto,  as limitações que ele certamente pressupõe, em face de sua própria invulgar e excepcional natureza, tais como, limitações de exercício (hipóteses nas quais pode ser legitimamente exercido; a exigência  do exercício a sua fundamentação, razoabilidade e proporcionalidade etc.) (ob. cit., p. 113).
  4. A Lei nº 1.079, de 10.04.1950, arrola entre os crimes de responsabilidade do Presidente da República os seguintes: utilizar o poder federal para impedir a livre execução da lei eleitoral (art. 7º, 4); permitir a infração de lei federal de ordem pública (art. 8º, nº 7); e deixar de tomar providências previstas em lei tendentes à sua execução e cumprimento (art. 8º, nº 8). Nos termos do art. 74, da mesma lei, constituem crimes de responsabilidade dos governadores dos Estados ou dos seus Secretários, quando por eles praticados, os atos definidos como crimes nessa mesma Lei 1.079/1950 (art. 74). O art. 1º, inciso XIV, do Decreto-Lei nº 201, de 27/02/1967, define entre os crimes responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos a julgamento do Poder Judiciário, “negar execução a lei federal, estadual ou municipal, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente”.
  5. Dispõem os arts. 34, VI, e 35, IV, da Constituição Federal:
“Art. 34 – A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:
VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial.
Art. 35 – O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:
IV – O Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.”
  1. A Constituição, em sua redação original, conferia competência ao Superior Tribunal de Justiça para processar e julgar a representação do PGR, em caso de recusa do Estado-membro ou do Distrito Federal à execução de lei federal.
  2. Meirelles, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16ª edição, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgar Neves da Silva. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 16ª ed., 2008, p. 123-124. Estas as palavras do autor:
“O desatendimento de lei refere-se a qualquer norma legal. Não é apenas lei federal, estadual ou municipal, emendas dos respectivos Legislativos, que merece cumprimento; também o decreto – que é lei em sentido material e tem o mesmo conteúdo normativo da lei formal, nas matérias de sua alçada – há de ser cumprido fielmente pelas autoridades e agentes municipais. Quando a Constituição da República alude a “execução de lei” está indicando a norma legal em sentido amplo, impositiva e obrigatória para todos.”
No regime da Carta vigente, tem a natureza de lei em sentido material decreto editado com fundamento no inciso IV do art. 84 da Constituição, na redação da EC nº 32/2001, que permite ao Presidente da República dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, quando isso não implicar aumento de despesa ou criação de órgãos públicos (ver ADIn 2.564, Relatora Ministra Ellen Gracie, julgamento em 8-10-2003, Plenário, DJ de 6-2-2004).
  1. Anota José Afonso da Silva: "Acrescente-se apenas que a representação ao Tribunal de Justiça, como peça inicial da ação interventiva no Município, cabe ao Procurador-Geral da Justiça que funcione junto ao Tribunal de Justiça competente para conhecer da representação, seja na intervenção promovida por Estado, seja na promovida pela União em Municípios de Território Federal" (Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 33ª ed., 2009, p. 490). Esse entendimento é igualmente sustentado por Anildo Fabio de Araujo, em estudo sobre o tema (Araujo, Anildo Fabio de. Representação interventiva contra Município localizado em Território Federal. Jus Navegandi. Teresina, Ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em :http://jus.com.br/artigos/1567/representacao-interventiva-contra-municipio-localizado-em-territorio-federal#ixzz2j6xZv4lF. Acesso em 29.10/2013).
  2. A Constituição de 1946, diferentemente das Constituições anteriores e da Constituição vigente, não contemplava a intervenção para prover a execução de lei federal. Refere Manoel Gonçalves Ferreira Filho que, na Constituinte de 1946, “prevaleceu o entendimento de que era desnecessária a previsão de intervenção para tal fim, já que o descumprimento de lei federal seria verificado através de decisão judiciária, cuja desobediência, esta sim, daria lugar à intervenção”. Acrescenta, porém, que Prado Kelly observara, com justeza, que era preciso distinguir a hipótese de inexecução de lei que causa lesão a direito, encontrando solução no Poder Judiciário, daquela em que o descumprimento cria prejuízos generalizados, insuscetíveis de exame judicial. E conclui: “À luz dessa lição, que é válida ainda hoje, a intervenção para a execução de lei federal só deve ser tida por lícita quando não couber solução judiciária para o caso”. (Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1990, vol. 1, p.234).
  3. O art. 11, § 1º, da Lei 9.868, de 1999, dispõe que “a medida cautelar, dotada de eficácia contra todos, será concedida com eficácia ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deve conceder-lhe eficácia retroativa”.
  4. v.g., ADIn 711-AM, Rel. Ministro Néri da Silveira; Rcl 3.309-ES, Rel. Ministro Celso de Mello;  RTJ 164/506. Esses efeitos da decisão, aliás, são inerentes ao próprio sistema de controle de constitucionalidade, que tem por finalidade a defesa da Constituição, a garantia de efetividade das suas normas e a tutela da segurança jurídica
  5. Observa Rodolfo Cunha Sales que a medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade tem por escopo a antecipação dos efeitos da decisão definitiva, terá alguns de seus atributos e nela encontrará seus limites. (Apontamentos sobre a medida cautelar em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Revista do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, nº 3, 1º sem. 2000, p. 30).
  6. v.g., ADI 424-7 – PR, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJ 15/09/2000, RTJ 140/405; ADIMC 904-4 - AC, Rel. Ministro Carlos Velloso, DJ 08/10/1993, RTJ 149/66; e ADI 534-1 – DF, Rel. Ministro Celso de Mello, DJ 08/04/1994, RTJ 152/692
  7. v.g., RCL-MC-QO 397 – RJ, Rel. Ministro Celso de Mello, DJ 21/05/1993, RTJ 147/31.
  8. Podem ser referidos, a respeito, dentre outros, os seguintes precedentes da Suprema Corte: Ag.Rg. no Recurso Extraordinário nº 462.598, Relator Ministro Eros Grau: RE 330.324-SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence; RE 372.604–SP, Relator Ministro Celso de Mello; RE 402.488; RE 470.993; Ag. 33.551, Relator Ministro Carlos Britto; Ag. Rg. 591.041-SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence; Ag.Rg 317.116-SP, Relator Ministro Néri da Silveira; Ag.Rg. 393.212–SP, Relator Ministro Carlos Veloso; Ag.Rg. 489.137-6-SP, Relator Ministro Joaquim  Barbosa; Ag.Rg. 456.356-8-SP, Relatora Ministra Ellen Gracie; Ag.Rg. 414.255-1-SP. Relator Ministro Gilmar Mendes; Ag.Rg. 470.993-7-SP. e Ag.Rg. 402.488-8-SP, Relator Ministro Eros Grau; Ag. 473.471-SP-, Relator Ministro Marco Aurélio; Ag. 450.442-SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence; Ag. 495.961-SP, Relator Ministro Celso de Mello; Ag. 456.354-SP, Relator Ministro Carlos Velloso; Ag.Rg. 464.826-SP, Relator Ministro Gilmar Mendes; e Ag. 430.130-SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence.
  9. Esse sistema de remuneração prevalecia já sob a égide da Constituição anterior (EC nº 1/69). No regime da LC nº 93, de 1974 (Lei Orgânica da PGE), na redação dada pela LC nº 205, de 02.01.1979, e em cumprimento ao seu art. 82, que determinava ao Poder Executivo a aplicação aos órgãos jurídicos das autarquias do sistema previsto nesse diploma, no prazo de noventa dias (arts. 55 a 57), foi editado o Decreto nº 19.866, de1982, que estendeu aos Procuradores Autárquicos a vantagem pecuniária mensal relativa à verba honorária do mesmo valor da conferida aos Procuradores do Estado.
A participação dos Procuradores de Autarquia nos honorários de advogado foi assegurada em regras específicas da LC nº 478, de 1986, complementada pelo Decreto 26.233, de 1986, e reproduzidas na LC nº 724, de 1993, que determinaram a aplicação aos Procuradores de Autarquia do sistema de remuneração aí previsto para os Procuradores do Estado, inclusive da parcela de honorários.
  1. Citem-se à guisa de ilustração as decisões proferidas na ADIMC nº 1096, Relator Ministro Celso de Mello (DJU de 22.09.1995, p. 30.589), na Representação nº 1.382-MA, Relator Ministro Moreira Alves, e na Representação nº 1428-RO, Relator Ministro Moreira Alves (RTJ 128, p. 593-4).
  2. Gomes, Ana Cláudia Nascimento. O Poder de Rejeição de Leis Inconstitucionais pela Autoridade Administrativa no Direito Português e no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, pp. 280 e 283.
  3. Rp 969-6 - DF, Relator Ministro Antonio Neder, DJ 26/06/1981, RTJ 99/544; Rp nº 1016-3-SP, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 26/10/1979, RTJ 95/993; Rp 1012-1, Relator Ministro Moreira Alves, DJ 05/11/1979, RTJ 92/485; e RE 95751-1 – MG, Relator Ministro Aldir Passarinho, DJ 13/04/1984, RTJ 110/1094.
  4. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2-1-DF, Relator Ministro Paulo Brossard, DJU de 21.11.97.
  5. No julgamento da ADIn nº 12, de que foi Relator o Ministro Ilmar Galvão, o STF declarou a constitucionalidade ao art. 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99. Por outro lado, a Suprema Corte não tem conhecido de arguições de descumprimento por não terem caráter subsidiário, relativamente a outros instrumentos de controle concentrado de inconstitucionalidade (ADPF 17 AgRg/AP e 18 AgRg/CE). No sentido da natureza supletiva da ADPF, citem-se ainda: ADPF nº 3/CE, Questão de Ordem, Rel. Ministro Sidney Sanches, DJ de 18.5.2000; ADPF nº 12-2/DF, Rel. Ministro Ilmar Galvão, DJ de 26.3.2001, p. 3; e AgRg na ADPF nº 17-03/AP, Rel. Ministro Celso de Mello, DJ 14.2.2003, p. 58. A propósito dessa matéria, veja-se a nota de rodapé nº 23.