sábado, 6 de junho de 2020

O Ministério Público na Ação Declaratória de Constitucionalidade

Sumário: 1 - Introdução. 2 - Instituição da ação declaratória de constitucionalidade 3 - Objeto da tutela constitucional. 4 - Elementos configuradores da nova ação: 4.1 - Controvérsia sobre sua autonomia em relação à ação direta de inconstitucionalidade. 4.2 - Elementos que tipificam cada uma das ações. 5 - O Ministério Público no processo6 - Controvérsia sobre a legitimidade da instituição da ação pelos Estados-membros: 6.1 - Alcance da controvérsia; 6.2 - A nova ação não se compreende no art. 125§ 2º, da CF/88; 6.3 - Inexistência de autorização expressa constitucional; 6.4 - ADC estadual: afronta a princípios constitucionais; 6.5 - Precedentes do STF sobre controle concentrado estadual; 6.6 - Normas de reprodução ou de imitação na Constituição Estadual. 7 - Conclusões.

1 - Introdução

Constituição Federal de 1988, em sua versão original, e as alterações posteriores deram maior expansão ao sistema de defesa da ordem jurídica constitucional, instituindo novas ações dirigidas ao controle concentrado de constitucionalidade e ampliando o rol de legitimados para o ajuizamento dessas ações, que, no direito constitucional anterior, constituía monopólio do Procurador-Geral da República.

Dentre as novas ações, a EC nº 3, de 1993, inseriu na competência originária do Supremo Tribunal Federal o processo e julgamento da ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, ao dar nova redação ao art. 102Ia, da Constituição de 1988, o mesmo dispositivo que trata da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual.

Essa inovação suscitou indagações e exigiu da doutrina e, em especial, da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal definições de grande alcance e significado na matéria, entre as quais as concernentes ao objeto da tutela constitucional, aos pressupostos de cabimento da ação, à causa de pedir, ao pedido, ao cabimento da tutela cautelar, à legitimação passiva, às normas processuais aplicáveis e aos efeitos da decisão.

É certo, porém, que ainda subsistem controvérsias de relevo, entre as quais a de saber se a ação declaratória de constitucionalidade constitui nova modalidade de ação ou se já se achava compreendida no alcance da ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, questão que tem várias implicações jurídicas no controle concentrado, e se a ação pode ser validamente instituída no âmbito dos Estados-membros, tendo por objeto lei ou ato normativo estadual ou municipal, em face da Constituição Estadual.

Essas questões têm também pertinência com as funções institucionais e com a atuação do Ministério Público, seja como legitimado para o ajuizamento da ação, seja no exercício da incumbência da defesa da ordem jurídica constitucional, inclusive no que diz respeito ao Ministério Público Estadual. Envolve ainda matéria concernente à competência dos Tribunais de Justiça e dos órgãos judiciais estaduais no controle difuso, em que as mesmas questões de constitucionalidade das normas jurídicas tenham sido suscitadas na via incidental.

Esses os aspectos e indagações essenciais que constituem o objeto e a finalidade do presente trabalho.

2 - Instituição da ação declaratória de constitucionalidade

A ação declaratória de constitucionalidade foi instituída pela EC nº 3, de 1993, cujo art.  deu a seguinte redação ao art. 102, inciso Ia, e ao seu § 2º, da Constituição de 1988:

"Art. 102 - Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal".

(...)

"§ 2º - As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo."

A legitimidade ativa para essa ação, antes definida no § 4º no art. 103 da Constituição, na redação da mesma EC nº 3, de 1993, restringia-se ao Presidente da República, à Mesa do Senado, à Mesa da Câmara dos Deputados e ao Procurador-Geral da República. A EC nº 45, de 2004, porém, revogou esse § 4º e deu nova redação ao art. 102, I, a, e ao caput do mesmo art. 103, para nele incluir a ação declaratória de constitucionalidade, conferindo assim legitimação aos mesmos órgãos e entidades legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade[1].

No tocante à ação direta de inconstitucionalidade, segundo orientação firmada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal ao decidir Questão de Ordem na ADI nº 807-2- RS, é possível a formação de litisconsórcio ativo entre os sujeitos indicados no art. 103 da Carta Magna. Em seu voto, assinalou o Relator, Ministro Celso de Mello [2]:

"A nova Carta Política, ao ampliar o rol das pessoas ativamente legitimadas para o exercício da ação direta de inconstitucionalidade, tornou viável, a partir da institucionalização dessa legitimidade concorrente, a formação de litisconsórcio ativo no processo objetivo de controle normativo abstrato, desde que, para efeito da sua instauração, os litisconsortes disponham, autonomamente, de qualidade para agir".

Não há como deixar de reconhecer a possibilidade de formação de litisconsórcio ativo na ação declaratória de constitucionalidade. Esse litisconsórcio ativo pode sempre ocorrer entre legitimados universais, mas só poderá envolver legitimados especiais, se estes demonstrarem interesse de agir, isto é, pertinência temática em torno da lei ou ato normativo federal, objeto da ação[3].

Não há previsão de legitimados passivos para a ação. Essa matéria foi analisada e decidida no julgamento da Questão de Ordem na ADC nº 1-1 DF, em 27/10/93, na qual o Plenário do Supremo Tribunal Federal, apreciando incidente de inconstitucionalidade, concluiu no sentido da legitimidade constitucional da EC nº 3, de 1993, quanto à ação declaratória de constitucionalidade, e estabeleceu as normas processuais de tramitação da ação, até que lei específica viesse a disciplinar a matéria[4].

A ação declaratória de constitucionalidade insere-se no sistema de controle em abstrato de constitucionalidade de normas, cuja finalidade única é a defesa da ordem jurídica, não se destinando diretamente à tutela de direitos subjetivos. Por isso mesmo -- como acentuado no parecer proferido pela PGR --, deve ser necessariamente estruturada em processo objetivo, como ocorre com a ação direta de inconstitucionalidade, isto é, um processo não contraditório, sem partes, embora nesta última devam ser ouvidos os órgãos que participaram da elaboração da lei ou do ato normativo [5].

Reafirmou o Relator, Ministro Moreira Alves, na ADC 1-1 DF (QO), referindo-se à ação direta de inconstitucionalidade e à ação declaratória de constitucionalidade, que os representantes dos órgãos constitucionais interessados, que participaram da elaboração da norma impugnada, não são partes. E acrescentou:

"Num processo objetivo que se caracteriza por ser um processo sem partes contrapostas, não tem sentido pretender-se que devam ser asseguradas as garantias individuais do princípio do contraditório e da ampla defesa, que pressupõem a contraposição concreta de partes, cujo conflito de interesses se visa a dirimir com a prestação jurisdicional. Nos processos objetivos de controle concentrado de constitucionalidade em abstrato de atos normativos não há prestação jurisdicional ínsita ao Poder Judiciário (...), mas meios do exercício de forma específica da jurisdição -- a jurisdição constitucional -- que se traduz em ato político de fiscalização dos Poderes, quanto à conformidade ou não à Constituição dos atos normativos por eles editados".

Nesse aspecto situa-se diferença entre a ação declaratória de constitucionalidade e a ação direta de inconstitucionalidade. Na primeira, os Poderes ou órgãos, que editaram a lei ou o ato normativo federal objeto da ação declaratória de constitucionalidade, não têm interesse em contraditar a petição inicial, porque sua pretensão está voltada ao reconhecimento da validade constitucional das normas que editaram, ou seja, à procedência da ação, ao passo que, na última, os Poderes ou órgãos, que participaram da elaboração da lei ou do ato normativo, são ouvidos porque têm interesse em prestar informações em defesa da constitucionalidade do ato impugnado, isto é, em que seja julgada improcedente a ação.

Dividiu-se o Tribunal, contudo, quanto à proposta de incluir entre as normas processuais aplicáveis à nova ação regra dirigida à convocação dos entes legitimados à propositura da ação direta de inconstitucionalidade, por via de edital, de forma a propiciar a estes intervenção para contrariar o pedido de declaração de constitucionalidade[6].

A maioria, porém, decidiu em sentido diverso, argumentando alguns que a exigência de comprovação da existência de decisões judiciais antagônicas quanto à constitucionalidade da norma, que constitui pressuposto da ação declaratória de constitucionalidade, já será bastante para permitir à Corte Suprema conhecer a essência da controvérsia sobre sua validade. Referiu-se também que os legitimados ativos podem propor a ação direta de inconstitucionalidade, antes ou no curso do processo relativo à ação declaratória de constitucionalidade, de maneira a propiciar o exame conjunto das ações e das posições conflitantes[7].

Parece certo, porém, que concorreu o fundamento suficiente de ordem jurídico-constitucional de que, em razão da inexistência de norma legal referente ao processo objetivo prescrevendo essa intervenção como legitimado passivo, não seria cabível o recurso à analogia e, portanto, somente lei federal poderia validamente dispor sobre essa disciplina processual[8].

Acrescente-se que o Procurador-Geral da República, legitimado para a ação direta de inconstitucionalidade e também para a ação declaratória de constitucionalidade, deve necessariamente manifestar-se previamente, no prazo de quinze dias, em qualquer dessas ações (CF/88, arts. 103§ 1º, e 127; Lei nº 9.868/99, arts.  e 19)garantindo, assim, mais subsídios para a elucidação da controvérsia constitucional[9].

Anota Luiz Roberto Barroso que, diversamente do que ocorre na ação direta de inconstitucionalidade, em que é possível atribuir a condição de legitimados passivos aos órgãos dos quais emanou o ato impugnado, isso não teria sentido na ação declaratória de constitucionalidade. Refere que o Projeto de Lei nº 2.960/1977, de que resultou a Lei nº 9.868/1999, previa a publicação de edital no Diário de Justiça e no Diário Oficial, com informações sobre a propositura da ação (art. 17), e admitindo que os demais legitimados do art. 103 manifestassem por escrito, apresentassem memoriais e pedissem a juntada de documentos (art. 18, § 1º), mas que ambos os dispositivos foram vetados pelo Presidente da República[10].

3 - Objeto da tutela constitucional

A nova ação foi instituída para corrigir situações graves de incerteza jurídica, traduzidas no desencadeamento de litígios em série em torno da legitimidade de lei ou ato normativo federal, colocando em risco a presunção de sua constitucionalidade.

Na ADC 1-1 DF (QO), esclareceu o Ministro Relator que na proposta de que resultou a EC nº 3/93, a instituição da nova ação foi justificada diante da necessidade de conferir uniformização às questões constitucionais concernentes à validade de lei ou ato normativo federal, a fim de evitar que decisões dos juizados de primeira instância se tornassem definitivas, antes que pudessem ser submetidas à apreciação dos Tribunais superiores, o que importaria em subverter a hierarquia no organismo jurisdicional e a tranquilidade para a preservação da ordem jurídica constitucional[11].

ratio juris da criação do novo instrumento de controle concentrado de constitucionalidade, porém, ao que parece, tem significado e alcance mais amplos.

Em período imediatamente anterior à EC nº 3, de 1993, com efeito, desencadearam-se demandas repetitivas, que geraram quadro de grave incerteza e insegurança jurídica, congestionando os órgãos do Poder Judiciário e causando grandes prejuízos aos cofres públicos ou mesmo aos destinatários das normas pertinentes.

Dentre esses litígios, no passado então recente, podem ser lembrados, dentre vários outros: 1) os que tratavam de pedidos de reajustes fundados em índices de planos econômicos, que persistiram por vários anos, sobrecarregando os órgãos judiciários federais e gerando decisões opostas para as mesmas questões jurídicas, antes que fossem submetidos à apreciação da Suprema Corte, que veio a firmar jurisprudência no sentido da inexistência, em regra, de direito adquirido a tais reajustes (v. g., 84,32% , IPC de março de 1990; 26,06% de julho de 1987; 16,19% de abril/maio de 1988; e 26,05% de fevereiro de 1989); 2) os que tratavam do direito dos aposentados ao reajuste de 147,06%, de agosto de 1991; 3) os relativos à controvérsia a respeito da legitimidade constitucional de dispositivos da Lei 8.117/91, que determinavam a atualização monetária das operações do SFH, pela chamada taxa referencial, etc.

Em relação a outros instrumentos destinados ao mesmo fim -- anotou o parecer proferido pela PGR -- a primeira peculiaridade do novo instituto -- como, aliás, ocorria com a representação interpretativa prevista na EC nº 7/77 -- está em que o estado de incerteza é combatido direta e preventivamente, em processo autônomo, tomando-se a questão constitucional em si mesma, e não para a tutela de direitos subjetivos[12].

Objeto da tutela constitucional é a certeza e a segurança jurídica. A incerteza de lei ou de ato normativo, quanto à sua legitimidade constitucional, traduzida nos litígios judiciais, conduz a uma situação contrária ao direito, que impõe todo esforço no sentido de sua superação (cf. Miguel Reale, Filosofia do Direito, 6ª ed., 1972, v. 2, p. 530; Lopes de Oñate, La certezza del Diritto, Milano, A. Giuffrè, p. 22-25). Além de tudo, como conclui Radbruch, um direito incerto é também um direito injusto, pois não é capaz de assegurar a fatos futuros tratamento igual (Le But du Droit, apud Theophilo Cavalcanti Filho, O Problema da Segurança do Direito, Ed. RT, 1965, p. 81)[13].

A interpretação unívoca da ordem jurídica, como pondera Mario Longo, constitui uma exigência de certeza do direito e da segurança jurídica (Certezza del Diritto in Novíssimo Digesto Italiano, Torino, UTET, vol 3, s/d, págs. 128-129). Como previsibilidade da valoração jurídica da ação humana, nota Massimo Corsale, a certeza pressupõe, no agente, a consciência de fato de que os órgãos judiciais darão à norma geral e abstrata uma interpretação coincidente com a sua (La certezza del diritto, Milano, A. Giuffrè, 1970, pág. 403), inclusive, evidentemente, no que diz respeito à questão de sua legitimidade constitucional[14].

Pressuposto de cabimento da ação declaratória de constitucionalidade, portanto, é a existência de situação grave de incerteza jurídica, traduzida no desencadeamento de litígios, que afeta, por suas proporções, a presunção de constitucionalidade da lei ou ato normativo federal.

Nessas hipóteses restritas, a espera da uniformização da jurisprudência, pela reiterada aplicação ou recusa de aplicação da lei ou ato normativo aos casos concretos, prolongaria indefinidamente o estado de incerteza e é precisamente na correção preventiva dessa situação que a inovação apresenta seu verdadeiro significado. Considerou o legislador constituinte, segundo critérios de valoração jurídica e política, preponderante o interesse geral na solução imediata da controvérsia em torno da legitimidade constitucional da lei ou ato normativo e, portanto, na defesa da integridade da ordem jurídica, para impedir a ocorrência de danos irreparáveis, prevenir a ocorrência de lesões a direitos subjetivos, que poderiam resultar irremediáveis pelo decurso do tempo, e, ainda, assegurar o mesmo tratamento jurídico a situações idênticas, devendo lembrar-se que, sem esse instrumento, o próprio pronunciamento judicial encontraria, não raro, o obstáculo dos interesses criados e dos fatos consumados, à sombra de uma interpretação equivocada da controvérsia constitucional[15].

4 - Elementos configuradores da nova ação

4.1 - Controvérsia sobre a sua autonomia

No julgamento da Questão de Ordem na ADC nº 1-1 - DF, foi enfatizado que a ação declaratória de constitucionalidade constitui instituto inédito no sistema jurídico nacional, inconfundível com a ação direta de inconstitucionalidade[16].

Nada obstante, ainda subsiste controvérsia doutrinária em torno da autonomia desse instrumento de controle concentrado em abstrato de normas, argumentando prestigiada corrente doutrinária que já se achava ele compreendido no alcance da ação direta de inconstitucionalidade, sob o argumento de que o Procurador-Geral da República podia instaurar o processo constitucional para a declaração não apenas de inconstitucionalidade, como também de constitucionalidade da norma.

Destaca essa corrente o caráter dúplice ou ambivalente dessas ações de controle de constitucionalidade, argumentando que a ação declaratória de constitucionalidade tem a mesma natureza da ação direta de inconstitucionalidade, sendo aquela, efetivamente, nada mais do que uma ação direta de inconstitucionalidade com o sinal trocado, não havendo como diferençar uma da outra, e que configuram as duas ações espécies do gênero controle abstrato de normas. Acrescenta que a inconstitucionalidade não precisava ser perfilhada pelo Procurador-Geral da República, que, antes mesmo da criação da ação declaratória de constitucionalidade, poderia instaurar o controle abstrato para postular tanto a declaração da inconstitucionalidade quanto a declaração de constitucionalidade da norma.

A tese é assim completada por Gilmar Mendes[17]:

"A despeito de sua repercussão na ordem jurídica, a ADC não parece representar um novum no modelo brasileiro de controle de constitucionalidade. Em verdade, o dispositivo não inova. A imprecisão da fórmula adotada na EC n. 16/65 -"representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral"- não conseguia esconder o propósito inequívoco do legislador constituinte, que era o de permitir,"desde logo, a definição da controvérsia constitucional sobre leis novas".

E conclui:

"Entendida a representação de inconstitucionalidade como instituto de conteúdo dúplice ou de caráter ambivalente, mediante o qual o Procurador-Geral da República tanto poderia postular a declaração de inconstitucionalidade da norma como defender a sua constitucionalidade, afigurar-se-ia legítimo sustentar, com maior ênfase e razoabilidade, a tese relativa à obrigatoriedade de o Procurador-Geral submeter a questão constitucional ao STF quando isso lhe fosse solicitado.

Essa análise demonstra claramente que, a despeito da utilização da expressão representação de inconstitucionalidade, o controle abstrato de normas foi concebido e desenvolvido como processo de natureza dúplice ou ambivalente".

Outros autores aderem a esse entendimento[18], do qual derivam consequências de relevo, dentre as quais a de que a legitimação do legislador constituinte estadual para instituir a ação declaratória de constitucionalidade está implícita na autorização constitucional de que dispõem os Estados-membros para a criação da ação direta de inconstitucionalidade.

A ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade apresentam, sem dúvida, características comuns: constituem instrumentos de controle concentrado em abstrato de constitucionalidade de normas, são estruturadas em processos objetivos, destinados à defesa da ordem jurídica constitucional, em que não há partes contrapostas. Como acentuou o Ministro Moreira Alves, em seu voto na na ADC 1-1 DF (QO), essas ações são"meios de exercício de forma específica de jurisdição -- a jurisdição constitucional --, que se traduz em ato político de fiscalização dos Poderes".

Mas são patentes as diferenças em pontos essenciais, que denotam diversidade incontornável entre uma e outra ação.

4.2 - Elementos que tipificam cada uma das ações

Há diferença no tocante à legitimação passiva entre a ação declaratória de constitucionalidade e a ação direta de inconstitucionalidade. Na primeira - já se referiu -, inexiste legitimado passivo, ao passo que na ação direta de inconstitucionalidade devem ser intimados para prestar informações os Poderes que participaram do processo legislativo ou os órgãos ou autoridades que editaram os atos normativos impugnados[19], que assumem a condição de legitimados passivos.

Observou o Ministro Moreira Alves, Relator da ADC 1-1 - DF, que, eventualmente, pode ocorrer a falta de legitimado passivo na ação direta de inconstitucionalidade, mas concluiu:" Na ação declaratória de constitucionalidade essa ausência não é apenas eventual, mas sempre ocorre, o que se coaduna com a natureza do processo objetivo, a saber, a de um processo essencialmente unilateral, não contraditório, sem partes, em que há um requerente, mas não há necessariamente um requerido ".

Essas peculiaridades quanto à legitimação passiva não têm maior significado para fins de definição de identidade ou de diversidade entre essas ações, porque, nos processos objetivos, não há partes contrapostas, sendo certo também que a ausência eventual de legitimados passivos não descaracteriza a ação direta de inconstitucionalidade[20].

Outros aspectos essenciais concernentes ao novo instituto, porém, em especial o pressuposto de cabimento da ação, a causa de pedir e o pedido, demonstram inequivocamente que a ação declaratória de constitucionalidade constitui instrumento diverso da ação direta de inconstitucionalidade, no plano do controle concentrado em abstrato de normas jurídicas.

Enquanto na ação direta de inconstitucionalidade a demonstração da incompatibilidade vertical entre lei ou ato normativo e a Constituição é o bastante para a instauração do processo constitucional, na ação declaratória de constitucionalidade só se pode vislumbrar interesse de agir diante de controvérsia judicial grave em torno da legitimidade da norma, capaz de abalar a presunção de sua constitucionalidade. A ação visa à defesa da integridade da ordem jurídica, de modo que a configuração de uma situação contrária ao direito, a justificar a instauração do processo constitucional, depende da verificação objetiva de um estado de incerteza relevante quanto à legitimidade constitucional da lei ou ato normativo[21].

Precisamente nesse sentido e a esse respeito, em contraposição ao argumento de que essa ação impeliria o Poder Judiciário a exercer uma função consultiva, convertendo-o em legislador, o Relator, Ministro Moreira Alves, em seu voto na ADC 1-1 DF (QO), cuidou de destacar o pressuposto de admissibilidade da ação:"Essa alegação não atenta para a circunstância de que, visando a ação declaratória de constitucionalidade à preservação da presunção de constitucionalidade do ato normativo, é ínsito a essa ação, para caracterizar-se o interesse objetivo de agir por parte dos legitimados para propô-la, que preexista controvérsia que ponha em risco essa presunção e, portanto, controvérsia judicial no exercício do controle difuso de constitucionalidade, por ser esta que caracteriza inequivocamente esse risco"[22].

Por isso mesmo, os legitimados para a ação deverão comprovar, na inicial da ação, a existência de controvérsia relevante, traduzida em decisões judiciais, quanto à legitimidade constitucional da lei ou ato normativo, que abale ou ponha em risco a presunção de sua constitucionalidade. Essa exigência, que já havia sido definida na decisão proferida na ADC 1-1 DF (QO), foi reafirmada no art. 14, inciso III, da Lei nº 9.868/99 [23].

O requisito da divergência judicial relevante, como anota Luiz Roberto Barroso " afasta a objeção de que o Tribunal estaria desempenhando uma função consultiva ou homologadora da legislação, em violação ao princípio da separação dos Poderes "[24]Idêntica a ponderação de Alexandre de Moraes, invocando passagem do voto do Ministro Neri da Silveira, na mesma ADC 1-1 DF, no sentido de que"não se trata de consulta à Suprema Corte, mas de ação com decisão materialmente jurisdicional"[25].

Daí decorre a diversidade da causa de pedir entre as duas ações. Na ação direta de inconstitucionalidade, a causa de pedir consiste na demonstração de incompatibilidade da lei ou ato normativo federal ou estadual com a Constituição, enquanto na ação declaratória de constitucionalidade deverá estar demonstrada, na petição inicial, a existência de controvérsia judicial relevante sobre a legitimidade constitucional de lei ou ato normativo federal, que, por suas proporções e alcance, abale a presunção de sua constitucionalidade, além da fundamentação objetiva direcionada a demonstrar a sua compatibilidade com a Lei Fundamental.

Por último, na ação declaratória de constitucionalidade, como indica e destaca o seu"nomen iuris", o pedido, na inicial da ação, deve ser dirigido à declaração da constitucionalidade da lei ou ato normativo federal, enquanto na ação direta de inconstitucionalidade, o titular deve necessariamente postular na inicial a declaração judicial de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo federal ou estadual.

Quanto ao pedido, impõe-se referir que, no regime constitucional anterior, surgiu a questão de saber se o Procurador-Geral da República podia ajuizar representação de inconstitucionalidade ao Supremo Tribunal, sustentando, na inicial, a legitimidade constitucional da lei ou ato normativo objeto da ação. Essa indagação foi definitivamente superada no julgamento da Representação nº 1349-DF, realizado em 09/09/1988 (RTJ 129, p. 41-60) na qual se arguía a inconstitucionalidade de normas da legislação federal sobre informática. Ao oferecer a representação, o Procurador-Geral da República declarou inexistir eiva de inconstitucionalidade na lei objeto da arguição, que lhe fora dirigida por parlamentares. Prestadas as informações, a Procuradoria-Geral reiterou as razões no sentido da improcedência da representação.

Na sessão de julgamento, suscitou o Relator, Ministro Aldir Passarinho, questão preliminar sobre o conhecimento da representação, referindo que a jurisprudência se consolidara no sentido de que o Supremo Tribunal Federal só podia decidir questão relativa à inconstitucionalidade de lei ou ato normativo em representação que lhe fosse dirigida pelo Procurador-Geral da República, que dispunha de legitimidade privativa para esse fim e, portanto, como decidido na Reclamação nº 849-DF e em outros precedentes ali indicados, podia deixar de encaminhar arguição de inconstitucionalidade que lhe tivesse sido dirigida por terceiros, sem afronta à competência da Corte[26].

Argumentou que, sem a iniciativa do Procurador-Geral dirigida à declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo impugnado, a Corte estaria deliberando sobre consulta ou decidindo de ofício, sem provocação da parte.

Sustentou que, diversamente do que ocorria na vigência do art. 101I, k. da Carta de 1946, na redação da EC nº 16, de1965, que se referia à representação contra inconstitucionalidade"encaminhada pelo Procurador-Geral da República"[27], o texto original da Constituição de 1967 e o resultante da EC nº 1/69, deixaram literalmente enunciada a competência do Supremo Tribunal Federal para"a representação do Procurador-Geral da República por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual". Desse modo, seu titular só poderia oferecer representação dirigida à declaração de inconstitucionalidade, não mais sendo possível encaminhar a arguição que lhe tivesse sido dirigida por terceiros, defendendo a legitimidade constitucional da norma impugnada.

Ademais, a regra do encaminhamento de representação com parecer contrário, prevista art. 174, § 1º, do Regimento Interno do STF, na redação de 1970, como igualmente destacado no voto condutor do acórdão, foi eliminada pelo Regimento Interno de 1980, que dispôs em seu art. 169:"O Procurador-Geral da República poderá submeter ao Tribunal, mediante representação, o exame de lei ou ato normativo federal ou estadual para que seja declarada a sua inconstitucionalidade"[28].

Não há dúvida, portanto, de que é incabível e não pode ser admitida ação direta de inconstitucionalidade, em que o Procurador-Geral da República dirija o pedido, na inicial, no sentido de que seja julgada improcedente a ação, sustentando a inexistência de eiva de inconstitucionalidade na lei ou ato normativo objeto da arguição, que lhe tenha sido dirigida por terceiros. Em consequência, são opostos os pedidos numa e noutra ação

A diversidade entre os elementos que identificam a ação declaratória de constitucionalidade e a ação direta de inconstitucionalidade, em especial quanto à causa de pedir e ao pedido, demonstra que se trata, induvidosamente, de ações distintas, inconfundíveis entre si.

Mas, além disso, outros elementos tornam clara e evidente a autonomia de cada uma dessas ações. As próprias expressões literais da regra do art. 102Ia, da Constituição Federal dão sentido restritivo e excepcional ao objeto da ação declaratória de constitucionalidade, desautorizando exegese ampliativa de seu alcance. Nos termos desse dispositivo constitucional, a ação declaratória de constitucionalidade tem por objeto unicamente,"lei ou ato normativo federal", excluindo implicitamente de sua abrangência lei ou ato normativo estadual.

O caráter restritivo do alcance do instituto, que tem por objeto exclusivo lei ou ato normativo federal, é ainda mais nítido e acentuado porque enunciado na mesma norma que autoriza a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual.

Essa regra constitucional, com efeito, é, por si só, suficiente para demonstrar a improcedência da tese no sentido de que a ação declaratória de constitucionalidade já se achava compreendida no alcance da ação direta de inconstitucionalidade, porque, se pudesse prevalecer esse entendimento, não se poderia recusar a possibilidade de ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual, em face da Lei Maior, com fundamento na primeira parte da alínea a, inciso I, do mesmo art. 102, que se refere à competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar originariamente"a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual".

Exegese nesse sentido afrontaria a autonomia estadual, porque importaria em submeter ao controle concentrado de constitucionalidade lei ou ato normativo estadual fora dos casos estabelecidos na Lei Fundamental, infringiria ainda o princípio da separação dos Poderes e ampliaria, à revelia da Carta Magna, a jurisdição excepcional do Supremo Tribunal Federal.

A tese, portanto, é inconciliável com as próprias expressões literais da regra jurídica constitucional (art. 102, I, a, da CF/88), que institui a ação declaratória de constitucionalidade, e, por isso, não pode ser aceita.

Em suma, a ação declaratória de constitucionalidade constitui instituto inédito no ordenamento jurídico nacional, como acentuado no julgamento da Questão de Ordem na ADC nª 1-1 - DF. Nas palavras de Luiz Roberto Barroso, em obra doutrinária," a ação declaratória de constitucionalidade não apresenta similar rigorosamente próximo no direito comparado, embora alguns autores procurem demonstrar ter ela antecedentes no próprio direito brasileiro "[29].

Esses elementos são decisivos na identificação de cada modalidade de ação, sendo certo, por outro lado, que não é possível a alteração do pedido nem a conversão de uma ação em outra. A declaração judicial de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade da lei, que é o desfecho possível, comum nas duas ações, não altera a autonomia nem a identidade própria de cada qual.

5 - O Ministério Público no processo

No julgamento da ADC nº 1-1 DF (Questão de Ordem), o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a aplicabilidade imediata da ação declaratória de constitucionalidade e cuidou de definir as normas processais, adotando a disciplina estabelecida para a ação direta de inconstitucionalidade.

Destacou o Relator, Ministro Moreira Alves, em suma, que os legitimados ativos para a ação devem providenciar a juntada na inicial da documentação relativa ao processo legislativo concernente à lei ou ato normativo federal questionado, tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal deve examinar a sua constitucionalidade sob todos os aspectos e, portanto, também no que diz respeito à sua constitucionalidade formal. Devem também comprovar a existência de controvérsia judicial que esteja pondo em risco a presunção de constitucionalidade da lei ou ato normativo federal questionado, que é pressuposto do cabimento da ação[30].

Referiu ainda os seguintes aspectos procedimentais da nova ação: 1) não sendo indispensável que haja legitimado passivo no processo objetivo da ação declaratória de constitucionalidade, só lei poderá dispor sobre a intervenção no polo passivo de legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade, para sustentarem, em contraposição, a inconstitucionalidade do ato normativo questionado; 2) tendo em vista que a ação declaratória de constitucionalidade visa preservar a presunção de constitucionalidade da lei ou ato normativo, é desnecessária a atuação do Advogado-Geral da União como curador dessa mesma presunção; 3) o Procurador-Geral da República deve ser previamente ouvido para emitir parecer como custos legis em sentido amplo; e 4) o julgamento da ação declaratória deverá observar a disciplina do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, inclusive quanto ao quorum para a declaração da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade do ato normativo em causa.

Ainda antes do advento da Lei 9.868, de 10.11.1999, por decisão proferida na ADCMC nº 4-6 DF, de que foi Relator o Ministro Sidney Sanches, em 11.02.1998, o Supremo Tribunal Federal julgou cabível e deferiu pedido de medida cautelar na ação declaratória, suspendendo, com eficácia ex nunc e com efeito vinculante, até o final julgamento da ação, a prolação de qualquer decisão sobre pedido de tutela antecipada, contra a Fazenda Pública, que tenha por pressuposto a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do art.  da Lei 9.494, de 10/09/97[31].

A ementa do acórdão assim sintetiza as razões para o deferimento da medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, não obstante a ausência de previsão expressa no texto constitucional:

"4. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federalnas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produzem eficácia contra todos e até efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo, nos termos do art. 102§ 2º, da Constituição Federal.

"5. Em ação dessa natureza, pode a Corte conceder medida cautelar que assegure, temporariamente, tal força e eficácia à futura decisão de mérito.

E assim é, mesmo sem expressa disposição constitucional de medida cautelar na ADC, pois o poder de acautelar é imanente ao de julgar".

Assinalou o Relator que a função cautelar, considerada como a adoção de providências indispensáveis ao resultado útil do processo, é inerente à atividade jurisdicional, lembrando ainda que no passado, quando a Constituição era silente sobre a concessão de liminar em ação direta, o Supremo Tribunal Federal a considerou cabível [32].

A Lei nº 9.868, de 1999, contemplou os preceitos básicos relativos ao procedimento a ser observado na ação declaratória de constitucionalidade, definidos no julgamento da Questão de Ordem na ADC 1-1 DF, e dispôs sobre o cabimento de medida cautelar, prescrevendo em seu art. 21: "O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida cautelar na ação declaratória de constitucionalidade, consistente na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo".

A parte dispositiva da decisão na medida cautelar deverá ser publicada no prazo de dez dias e o julgamento da ação deverá ser realizado no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de perda de sua eficácia (Lei 9.868/99, art. 21, par. único).

Difere, portanto, o procedimento do pedido de medida cautelar da ação declaratória de constitucionalidade e da ação direta de inconstitucionalidade. Nesta última, como estabelece a Lei nº 9.868/99, salvo no período de recesso, o pedido de medida cautelar poderá ser submetido ao Plenário, após audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo, que deverão manifestar-se no prazo de cinco dias (art. 10). O Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União só serão ouvidos, no prazo de três dias, se o Relator julgar indispensável suas manifestações (art. 10, § 1º). Em caso de excepcional urgência, o Tribunal poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado (art. 10, § 3º).

Difere também o conteúdo da providência cautelar numa e noutra ação. Na ação direta de inconstitucionalidade, a medida cautelar consiste na suspensão da eficácia da lei, com efeitos ex nunc, salvo se o Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia retroativa (Lei nº 9.868/99, art. 11§ 1º). Suspensa a execução da lei ou do ato normativo, torna-se aplicável a legislação anterior, se existente, salvo expresso pronunciamento em sentido contrário (Lei 9.868/99, art. 11§ 2º). Já na ação declaratória de constitucionalidade, a medida cautelar consiste na determinação de que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação até seu julgamento definitivo.

O Procurador-Geral da República, que dispõe de legitimidade para a propositura da ação declaratória de constitucionalidade (CF/88, art. 103VI, na redação da EC nº 45, de 2004, e Lei 9.868/99, art. 13), deve também ser previamente ouvido em todas as ações dessa natureza, quer nas que tenha ajuizado, caso em que poderá até mesmo pronunciar-se contrariamente à posição assumida na inicial, quer nas ajuizadas por outros legitimados, assim como em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal, segundo dispõe o § 1º do art. 103 da Constituição[33].

Em sintonia com essa regra jurídica constitucional, estabelece o art. 19 da Lei 9.868/99 que será dada vista ao Procurador-Geral da República, que deverá pronunciar-se no prazo de quinze dias. Se houver pedido de medida cautelar, o prazo deve ser contado da decisão nela proferida.

Atua o Procurador-Geral na defesa da ordem jurídica constitucional, podendo opinar pela procedência ou pela improcedência da ação direta ou da ação de declaratória de constitucionalidade, mesmo que a tenha ajuizado[34].

Segundo dispõe o art. 14 e seus incisos I a III da Lei 9.868/99, a petição inicial deverá indicar o dispositivo da lei ou do ato normativo questionado e os fundamentos jurídicos do pedido; comprovar a existência de controvérsia judicial relevante em torno da aplicação do mesmo dispositivo; e declinar o pedido, com suas especificações. A petição deverá ser apresentada em duas vias, com cópias do ato normativo questionado e dos documentos "para comprovar a procedência do pedido de declaração de constitucionalidade" (sic).

Como enfatizado no julgamento da ADC 1-1 DF (QO), várias regras decorrentes do caráter objetivo do processo, algumas das quais têm implicação com o tema da participação do Ministério Público, prevalecem também no tocante à ação declaratória de constitucionalidade.

Assim, vg., o Procurador-Geral da República, bem como os demais legitimados não podem desistir da ação proposta (Lei 9.868/99, art. 16); não se admitirá intervenção de terceiros no processo (Lei 9.868/99, art., 18); ao emitir o seu parecer final, o Procurador-Geral pode manifestar-se livremente, pela procedência ou improcedência do pedido, inclusive nos processos relativos às ações de sua iniciativa; o pronunciamento do Tribunal não se adstringe aos fundamentos constitucionais invocados na inicial, mas compreende todas as normas da Constituição Federal; e não é cabível a ação rescisória (Lei nº 9.868/99, art. 26). Entretanto, a petição inicial pode ser indeferida pelo Relator, se for declarada inepta, não fundamentada ou manifestamente improcedente (art. 15).

6 - Os Estados-membros e a nova ação

6.1 - Alcance da controvérsia

Constituição Federal, no art. 125§ 2º, assim dispõe sobre o controle concentrado no âmbito dos Estados-membros: "Cabe aos Estados a instituição da representação de inconstitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição de legitimação para agir a um único órgão".

Diante dessa preceituação, as Constituições dos Estados-membros devem necessariamente atribuir ao Procurador-Geral de Justiça, Chefe do Ministério Público Estadual, a condição de legitimado ativo na representação de inconstitucionalidade que venham a instituir, por força do art. 129IV, da Constituição Federal, que insere entre as funções institucionais do Ministério Público a de "promover a ação de inconstitucionalidade, nos casos previstos nesta Constituição". Devem também definir outros legitimados para o ajuizamento da representação.

Cumpre ao Procurador-Geral de Justiça, ainda, manifestar-se previamente nas ações diretas de inconstitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais, em face da Constituição Estadual, ajuizadas por outros legitimados, em razão do art. 103, § 1º, da Lei Maior, atuando, nesses casos, em defesa da ordem jurídica constitucional, que constitui incumbência fundamental do Ministério Público (CF/88, art. 127).

Quanto à ação declaratória de constitucionalidade, subsiste ainda controvérsia doutrinária que consiste em saber se os Estados-membros estão autorizados a instituir essa modalidade de ação, tendo por objeto leis e atos normativos estaduais e municipais, em face da Constituição Estadual, na ausência de autorização expressa na Lei Fundamental

Trata-se de questão prévia para definir se o Ministério Público Estadual atua nessa modalidade de controle concentrado de constitucionalidade de normas.

Na linha do entendimento de parte da doutrina -- mencionada linhas atrás -- no sentido de que a ação direta de inconstitucionalidade compreende a ação declaratória de constitucionalidade, a autorização conferida ao legislador constituinte estadual para instituir a ação declaratória de constitucionalidade estaria implícita na autorização constitucional de que dispõem os Estados-membros para a criação da representação de inconstitucionalidade, constante do art. 125§ 2º, da Constituição Federal.

Após reafirmar o entendimento de que não há como diferenciar as duas ações, que constituem espécies do gênero controle abstrato de normas, conclui Gilmar Mendes que "a legitimação do legislador constituinte estadual para instituir a ação declaratória de constitucionalidade está implícita na autorização constitucional de que dispõem os Estados-membros para a criação da ação direta de inconstitucionalidade[35].

Como também já anteriormente referido, segundo essa corrente doutrinária, a representação de inconstitucionalidade constitui instituto de conteúdo dúplice ou de caráter ambivalente, em que o legitimado para a ação tanto pode postular a declaração de inconstitucionalidade da norma como defender a sua constitucionalidade. Assim, a ação declaratória de constitucionalidade teria a mesma natureza da ação direta de inconstitucionalidade, sendo aquela, efetivamente, nada mais do que uma ação direta de inconstitucionalidade com o sinal trocado e, do ponto de vista ontológico, não haveria como diferençar uma da outra, configurando as duas ações espécies do gênero controle abstrato de normas.

Outra parte da doutrina sustenta também que os Estados-membros estão autorizados à instituição da ação declaratória de constitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais, em face das respectivas Constituições Estaduais, mas sob fundamento de que essa prerrogativa resulta do poder constituinte decorrente e do princípio da simetria[36].

A respeito dessa controvérsia, anota Alexandre de Moraes[37]:

"Entretanto, a possibilidade de criação de uma ação declaratória de constitucionalidade de âmbito estadual divide a doutrina. José Afonso da Silva não admite tal possibilidade, por ausência de previsão constitucional, enquanto Nagib Slabi Filho entende permitida ao Estado-membro, no exercício de sua competência remanescente, a criação dessa ação na esfera estadual, desde que respeitado o paradigma da Constituição Federal. Parece-nos que a razão está com Nagib Slabi Filho, uma vez que é característica da Federação a autonomia dos Estados-membros, que engloba a capacidade de auto-organização, por meio de suas respectivas Constituições estaduais".

A controvérsia doutrinária é também resumida na obra de Luís Roberto Barroso, que manifesta essa mesma posição:

"texto constitucional não prevê expressamente a legitimidade de instituição dessa modalidade de ação direta em âmbito estadual, como faz em relação à representação de inconstitucionalidade (art. 125, § 2º). Nada obstante, a doutrina majoritária tem-se inclinado por admitir essa possibilidade, tendo por objeto do controle lei ou ato normativo estadual ou municipal, o que faz ainda mais sentido para os que sustentam que a ação declaratória de constitucionalidade equivale à ação direta de inconstitucionalidade"com o sinal trocado". Na realidade, todavia, a relativa desimportância do constitucionalismo estadual reduz o alcance prático da controvérsia"[38].

Em nosso entender, a ação declaratória de constitucionalidade não pode ser validamente instituída no âmbito dos Estados-membros, por qualquer das teses apontadas.

6.2 - A nova ação não se compreende no art. 125§ 2º, da CF/88

À luz do quanto se expôs em tópico precedente --"4 - Elementos configuradores da nova modalidade de ação"--, restou claro, ao nosso ver, que a ação declaratória de constitucionalidade constitui instrumento novo e autônomo de controle concentrado de constitucionalidade, em abstrato, de normas jurídicas, inconfundível com a ação direta de inconstitucionalidade, razão pela qual não há como considerá-la compreendida implicitamente no alcance do art. 125§ 2º, da Constituição Federal, que autoriza os Estados-membros a instituir a representação de inconstitucionalidade de leis e atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual.

Como foi ali acentuado, a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade ostentam causas de pedir diversas e pedidos opostos, que constituem elementos essenciais para aferir a identidade ou a diversidade das ações, E, ainda, como igualmente ressaltado, as próprias expressões literais do art. 102Ia, da Constituição Federal, dão sentido restritivo e excepcional ao objeto da ação declaratória de constitucionalidade, A exclusão implícita traduz uma vedação quanto à possibilidade de estender o objeto da ação a lei ou a ato normativo estadual.

Exegese no sentido de que a ação declaratória de constitucionalidade já se achava compreendida no alcance da ação direta de inconstitucionalidade afrontaria a autonomia estadual, porque importaria em submeter ao controle concentrado de constitucionalidade lei ou ato normativo estadual fora dos casos estabelecidos na Lei Fundamental. Infringiria também o princípio da separação dos Poderes e ampliaria, à revelia da Carta Magna, a jurisdição excepcional do Supremo Tribunal Federal.

Em outras palavras e sob outro ângulo, a regra constitucional do art. 102, I, a, exclui a possibilidade de ação declaratória de constitucionalidade de leis e atos normativos estaduais em face da Constituição Federal, assim como o art. 125, § 2º, encerra uma exclusão implícita e traduz uma vedação à instituição de ação declaratória de constitucionalidade de leis e atos normativos estaduais ou municipais, em face da Constituição Estadual. O art. 102, I, a, constitui regra constitucional concernente à repartição de competências. A atribuição ao ente federativo de um poder encerra um limite implícito, um veto a hipóteses não contempladas. Se o poder é conferido unicamente a um ente federativo -- observa Léo Leoncy, ocorre vedação implícita aos demais[39].

Configura-se aqui o chamado" silêncio eloquente ", em que a norma constitucional proibitiva resulta, a contrario sensu, da inexistência de regra constitucional permissiva. A tese, assim, é inconciliável com as próprias expressões literais das regras jurídicas constitucionais que tratam das ações concernentes ao controle concentrado de constitucionalidade de normas no âmbito federal e estadual (art. 102, I, a, e 125, § º, da CF/88).

6.3 - Inexistência de autorização expressa constitucional

Também se afigura inadmissível a tese de que o art. 102, I, a, da Lei Maior, não proíbe os Estados-membros de instituir a ação declaratória de constitucionalidade, no exercício da competência concorrente ou sob invocação do princípio da simetria.

Inexiste no texto constitucional autorização expressa para a instituição de ação declaratória de constitucionalidade de leis e atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual. Como observa José Afonso da Silva, referindo-se à ação declaratória de constitucionalidade,"o tem ela por objeto a verificação da constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual nem municipal, nem está prevista a possibilidade de sua criação nos Estados"[40].

A respeito, cumpre referir que o controle incidental de constitucionalidade de leis e atos normativos, no julgamento dos casos concretos, denominado controle difuso, contemplado em todas as Constituições republicanas, desde a de 1891, é inerente à jurisdição conferida ao Poder Judiciário, pelo qual os juízes e tribunais podem afastar a aplicação de leis e atos normativos inconstitucionais a situações jurídico-subjetivas. Como disse Alfredo Buzaid," trata-se, pois, de atividade "conatural com a função de interpretar e aplicar o direito em cada caso concreto". As decisões aí proferidas têm eficácia apenas para as partes nos litígios concretos[41].

Já o controle concentrado de constitucionalidade, em abstrato, de leis e atos normativos não decorre do poder conferido ao organismo jurisdicional de aplicação das normas jurídicas aos casos concretos, próprio do controle difuso.

As ações de controle concentrado de normas constituem instrumentos excepcionais de defesa da ordem jurídica constitucional. A instituição de ações dessa natureza, por isso mesmo, depende de disposição expressa na Constituição Federal, bem assim a definição de seu objeto e dos legitimados ativos, além da atribuição de jurisdição especial ao Supremo Tribunal Federal ou aos Tribunais de Justiça, conforme o caso, que são os órgãos de cúpula do Poder Judiciário, no âmbito federal e estadual, respectivamente[42].

Acrescente-se que todas essas matérias, isto é, a previsão da ação e seu objeto, sua titularidade e a competência funcional do Tribunal são de natureza processual. Em razão da excepcionalidade da ação declaratória de constitucionalidade, como instrumento de controle concentrado de constitucionalidade, em abstrato, de normas jurídicas, essas regras processuais são definidas diretamente na própria Constituição Federal, ou em lei nela autorizada. Outras normas processuais são estabelecidas em lei federal, porque constituem matéria de privativa competência legislativa da União (CF/88, art. 22I).

Se fosse possível aos Estados-membros instituir a ação declaratória de constitucionalidade em suas Constituições, a decisão do Tribunal de Justiça nela proferida afastaria a incidência das regras da Constituição Federal e das leis federais concernentes à jurisdição e à competência dos órgãos do Poder Judiciário no controle incidental de constitucionalidade de leis e atos normativos, afrontando, assim, os arts. 125 e 22I, da Constituição Federal. Constituiria instrumento inédito de controle em abstrato de constitucionalidade de normas jurídicas estaduais e municipais, ampliando a jurisdição excepcional dos Tribunais de Justiça para atuação como Corte Constitucional, além dos limites autorizados no art. 125 e seu § 2º da Constituição Federal .

Esses fundamentos são suficientes para proscrever a instituição da ação declaratória de constitucionalidade pelos Estados.membros, sob invocação dos poderes concorrentes ou do princípio da simetria.

Concorrem, ademais, outros óbices constitucionais.

6.4 - ADC estadual: afronta a princípios constitucionais

A ação declaratória de constitucionalidade tem como pressuposto a existência de controvérsia judicial relevante sobre a legitimidade constitucional de lei ou ato normativo, cujas proporções ponham em risco a presunção de sua constitucionalidade. Se a ação for julgada procedente, ter-se-á declarado a constitucionalidade da lei ou do ato normativo federal; se julgada improcedente, o Tribunal terá declarado a inconstitucionalidade, em qualquer caso com eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo[43].

Constituição Federal confere e delimita o âmbito material de competência legislativa e normativa das entidades federadas em geral -- União, Estados e Municípios -- e regula a criação em abstrato das normas jurídicas. Quanto aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a competência de que dispõem, sobre as matérias previstas na Constituição Federal, constitui a expressão da autonomia que lhes é concedida, nos limites fixados no próprio texto constitucional[44].

A definição do campo próprio das matérias de competência dos entes federados define, por igual, o âmbito de sua competência legislativa. Observa Raul Machado Horta -- referindo-se à à competência da União, mas que é também verdadeira no tocante à competência das demais pessoas jurídicas de direito público --, que há estrita "correspondência entre as atribuições de competência geral e as de competência de legislação, sem a qual a competência geral permaneceria um corpo inerme, sem ação e sem vontade". A repartição de competências -- completa o Autor -- é inerente e indissociável da Constituição Federal[45].

Se a própria Constituição Federal confere e delimita o âmbito material de competência legislativa e normativa das entidades federadas em geral -- União, Estados e Municípios -- e regula a criação em abstrato das normas jurídicas, controle de constitucionalidade das leis e atos normativos só pode ser validamente concebido nas hipóteses e segundo o processo estabelecidos na própria Lei Fundamental.

Assim, a instituição de ação declaratória de constitucionalidade na Constituição do Estado-membro, atribuída à competência do Tribunal de Justiça, que tivesse por objeto lei ou ato normativo de Município, afrontaria, em primeiro lugar, a autonomia municipal porque importaria em admitir modalidade de controle de constitucionalidade de leis e atos normativos desse ente federativo, inclusive, eventualmente, a desconstituição dessas normas, fora das hipóteses de controle difuso e de controle concentrado autorizadas na Constituição Federal (CF/88, arts. 29, 30, e 34, VII, c).

Ainda quanto aos Municípios, seria também infringente ao princípio da separação dos Poderes (CF/88, art. ), sob dúplice aspecto: 1) primeiro porque a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça teria eficácia contra todos ou erga omnes, impondo-se à observância dos Poderes e órgãos que editaram a lei ou o ato normativo objeto da ação, que, no caso dos Municípios, compreende os Poderes Legislativo e Executivo; 2) segundo porque teria efeito vinculante para o Poder Executivo, tendo em conta que os Municípios não dispõem de Poder Judiciário e o aludido efeito não abrange o Poder Legislativo. O controle concentrado é instrumento de natureza política, "uma vez que, por ele, se julga, diretamente e em abstrato, a validade de ato de outros poderes do Estado (o Legislativo e o Executivo), em face dos preceitos constitucionais a que todos os Poderes devem guardar obediência"[46].

Relativamente às leis e atos normativos estaduais, poder-se-ia sustentar que a instituição nas Constituições dos Estados-membros da ação declaratória não infringiria a autonomia estadual, porque seria uma autolimitação estabelecida pelo próprio legislador constituinte do Estado-membro, tendente a afirmar a validade de normas objeto de controvérsia judicial e assim a defender a ordem jurídica constitucional do Estado.

Mas, evidentemente, não haveria como afastar a incompatibilidade com o princípio da separação dos Poderes (CF/88, art. ), também sob dúplice aspecto: 1) primeiro porque a nova ação teria atribuído ao Tribunal de Justiça o poder de declarar a validade ou a invalidade de lei ou ato normativo com eficácia contra todos ou erga omnes, impondo-se à observância dos Poderes que editaram as normas questionadas; e 2) segundo porque teria efeito vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário do Estado, que estariam compelidos à observância da decisão, no julgamento dos casos concretos, e também para o Poder Executivo, no exercício da atividade administrativa, em qualquer caso, quando estivesse em causa a mesma questão constitucional.

Em face do princípio da separação dos Poderes, que é cláusula pétrea da Constituição Federal (art. 60, § 4º, III), cada Poder deve atuar no âmbito de sua competência constitucional, só se admitindo que exerçam atribuições de outro diante de expressa previsão no próprio Texto Fundamental. Cada um dos Poderes dispõe de competência para o exercício de sua missão constitucional, assim como para limitar a ação dos demais à esfera de suas próprias incumbências institucionais, que compõem o sistema de freios e contrapesos. Na ausência de autorização expressa para instituição da ação declaratória de constitucionalidade no âmbito dos Estados-membros, as normas das Constituições Estaduais que viessem a dispor nesse sentido seriam claramente incompatíveis com o aludido princípio (CF/88, art. ).

Em qualquer caso, portanto, as decisões na ação declaratória de constitucionalidade excepcionariam as normas processuais estabelecidas para os processos judiciais da competência legislativa da União e vinculariam os órgãos judiciários competentes para decidir os casos concretos, o que importaria em subtrair as questões sobre a legitimidade constitucional das normas jurídicas ao controle difuso. A inconstitucionalidade da instituição da ação declaratória de constitucionalidade estadual, portanto, manifesta-se sob múltiplos aspectos.

6.5 - Precedentes do STF sobre controle concentrado estadual

Em vários precedentes, sob o regime constitucional anterior, orientou-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido da invalidade de normas das Constituições dos Estados-membros, que instituíram representações de inconstitucionalidade de leis e atos normativos municipais, em face da Constituição Federal. Por essa razão, o Supremo Tribunal Federal deu provimento a todos os recursos extraordinários interpostos de decisões dos Tribunais de Justiça, proferidas nessas ações diretas de inconstitucionalidade, para declarar extintos os processos, em razão da impossibilidade jurídica do pedido[47].

Leading case na matéria foi a decisão proferida no RE nº 91740-RS, Relator Ministro Xavier de Albuquerque, em que o Plenário do STF fixou orientação no sentido de que o controle concentrado de constitucionalidade se reveste de natureza política, porque importa em afirmar a validade ou proclamar a invalidade de normas editadas por outros Poderes do Estado. No voto proferido nesse julgado, completou o Ministro Moreira Alves: "Por isso mesmo, o controle de constitucionalidade in abstracto (principalmente em países em que, como o nosso, se admite, sem restrições, o incidenter tantum) é de natureza excepcional, e só se permite nos casos expressamente previstos na própria Constituição, como consectário, aliás, do princípio da harmonia e independência dos Poderes do Estado. Não há que se falar, portanto, nesse terreno, de omissão da Constituição Federal que possa ser preenchida (...) por norma supletiva da Constituição Estadual".

Embora nos precedentes a Suprema Corte tenha examinado a questão prévia da validade do controle concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos municipais em face da Constituição Federal, a doutrina firmada nessas decisões têm inteira pertinência, ao nosso ver, no tocante ao tema da criação da ação declaratória de constitucionalidade no âmbito dos Estados-membros, particularmente quanto ao fundamento e à conclusão de que o controle in abstracto é de natureza excepcional, só admitido nos casos expressamente previstos na própria Lei Fundamental.

A decisão em suposta ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal, em face da Constituição Estadual, caso julgasse procedente a ação, poderia transitar em julgado, porque inexistem legitimados passivos nessa modalidade de controle concentrado de constitucionalidade, para a interposição de recurso extraordinário. Teria assim efeitos vinculantes relativamente aos órgãos judiciais competentes para o julgamento dos litígios relativos a casos concretos.

O trânsito em julgado do acórdão, com tais efeitos, também ocorreria se a inconstitucionalidade da norma tivesse sido pronunciada em face de preceito da Constituição do Estado, que não reproduza nem constitua regra de imitação de dispositivo da Constituição Federal, porque não ensejaria a interposição de recurso extraordinário.

Ainda quanto a essa suposta instituição da ação declaratória de constitucionalidade no âmbito estadual, as partes nos litígios relativos a casos concretos, poderão suscitar, na via incidental, a nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça, sob o fundamento de invalidade da disposição constitucional estadual, que atribui competência à Corte Estadual para processar e julgar essa modalidade de ação em face da Carta Estadual. Nesse caso, o órgão judiciário estadual competente para o processo e julgamento do caso concreto poderá pronunciar, incidenter tantum, a nulidade da decisão proferida na ação declaratória de constitucionalidade, sob o fundamento de invalidade em face da Lei Fundamental da instituição desse instrumento de controle de constitucionalidade no âmbito estadual. Exauridas as instâncias ordinárias, a parte poderá interpor recurso extraordinário da decisão junto ao Supremo Tribunal Federal.

E tendo em vista a inadmissibilidade no sistema constitucional vigente da instituição de ação declaratória de constitucionalidade de leis e atos normativos estaduais ou municipais, em face da Constituição Estadual, o Supremo Tribunal, no julgamento dos recursos extraordinários de decisões dos Tribunais de Justiça, à luz dos precedentes, deverá pronunciar a impossibilidade jurídica do pedido na referida ação declaratória de constitucionalidade.

6.6 - Normas de reprodução ou de imitação na Constituição Estadual

No julgamento do RE nº 187.142-RJ, interposto de decisão do Tribunal de Justiça, que julgara improcedente ação direta de inconstitucionalidade estadual, o Supremo Tribunal Federal deu provimento ao recurso para declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos da ADT da Lei Orgânica do Município da Capital, que reproduziam normas constantes do ADCT da Constituição Federal.

Na Questão de Ordem suscitada pelo Ministro Moreira Alves, no exercício da presidência da Corte, o Supremo Tribunal fixou o entendimento de que a decisão proferida em recurso extraordinário, interposto em ação direta de inconstitucionalidade estadual, tem eficácia erga omnes, por se tratar de controle concentrado, eficácia essa que se estende a todo o território nacional, na linha do voto do Ministro Marco Aurélio, do seguinte teor:

"O fato de a matéria ter chegado ao Supremo na via extraordinária não descaracteriza o processo em si. O processo continua sendo objetivo, o controle continua sendo concentrado e a nossa decisão, a teor do art. 512 do Código de Processo Civil, substitui aquela prolatada pelo Tribunal de Justiça, com a extensão já anunciada por V. Exa., ou seja, nacional".

Dessa forma, ad argumentandum, a admitir-se que os Estados pudessem instituir ação declaratória de constitucionalidade em face da Constituição Estadual, inclusive, portanto, em face das normas que reproduzem preceitos da Constituição Federal, seria inevitável a conclusão de que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento de eventuais recursos extraordinários interpostos de decisões dos Tribunais de Justiça, nessas ações, poderia pronunciar a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei ou ato normativo estadual ou municipal, em face da própria Constituição Federal, com eficácia erga omnes em todo o território nacional[48].

Essa tese não se concilia com a regra do art. 102, I, a, segunda parte, que atribui competência à Suprema Corte para processar e julgar a ação declaratória de lei ou ato normativo federal, excluindo, portanto, a jurisdição da Suprema Corte no tocante às leis e atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Federal. A decisão, portanto, estaria em aberto conflito com a citada regra constitucional, que exclui de seu alcance, implicitamente, ação declaratória de constitucionalidade que tenha por objeto lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da Constituição Federal.

O mesmo ocorreria com as denominadas "normas de imitação", isto é, as normas da Lei Maior que não são de reprodução obrigatória, mas que os Estados-membros, mesmo assim, repetem nas Cartas Estaduais e, assim, servem de parâmetro para a ação direta de inconstitucionalidade estadual.

Esse é também um fundamento suficiente para demonstrar que a Constituição Federal inadmite ação declaratória de constitucionalidade no âmbito estadual. A decisão na ação declaratória de constitucionalidade compreende a Constituição como um todo, de maneira que se é juridicamente impossível em relação às normas de reprodução ou de imitação, não pode ela servir de parâmetro para a pronúncia de constitucionalidade em face de qualquer outra regra da Carta Estadual.

7 - Conclusões

A EC nº 3/93, inseriu na competência originária do Supremo Tribunal Federal o processo e julgamento da ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, com a finalidade de corrigir situações graves de incerteza e insegurança jurídica, traduzidas em controvérsia judicial de grandes proporções, que ponham em risco a presunção de sua constitucionalidade.

A legitimidade para a propositura da ação, inicialmente mais limitada, foi ampliada pela EC nº 45/2004 para abranger todos os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade.

As normas constitucionais relativas à nova ação foram julgadas auto--aplicáveis e o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar Questão de Ordem na ADC 1-1 DF, em 1993, estabeleceu definições de grande alcance e significado na matéria e cuidou de fixar as normas processuais de tramitação da ação, por analogia com a ação direta de inconstitucionalidade, até que lei específica viesse a dispor sobre a matéria, o que veio a ocorrer com a edição da Lei nº 9.868/99.

O Procurador-Geral da República, como os demais legitimados para propor a ação declaratória de constitucionalidade, poderá requerer medida cautelar na ação, para suspender, com eficácia ex nunc e com efeito vinculante, até o julgamento definitivo da ação, o julgamento dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do ato normativo objeto da ação. O cabimento dessa medida foi admitida no julgamento da ADMC nº 4-6 DF e, posteriormente, no art. 21 da Lei nº 9.868/99.

Deverá o Procurador-Geral ainda ser previamente ouvido para emitir parecer no prazo de quinze dias (CF/88, arts. 103§ 1º, e 127; Lei 9.868/99, art. 19), Atua na defesa da ordem jurídica constitucional, podendo manifestar-se livremente quer nas ações que tenha ajuizado, caso em que poderá até mesmo pronunciar-se contrariamente à posição assumida na inicial, quer nas ajuizadas por outros legitimados.

Não há previsão de legitimados passivos na ação, devendo lembrar-se que, em se tratando de um processo objetivo, sem partes, não cabe a invocação do princípio do contraditório. Essa matéria foi objeto de controvérsia na ADC 1-1 DF (QO), prevalecendo o entendimento de que os Poderes e órgãos que participaram da elaboração da lei ou do ato normativo federal objeto da ação têm interesse não em contraditar a inicial, mas sim em que seja reconhecida a validade das normas que editaram. Considerou-se também que na ausência de norma legal sobre a legitimação passiva, incabível recorrer-se à analogia, de maneira que somente lei federal poderia validamente tratar da matéria. A Lei nº 9.868/99, por seu turno, não contém regra sobre legitimação passiva na ação.

A ação declaratória de constitucionalidade é instituto inédito no Direito brasileiro A diversidade entre essa ação e a ação direta de inconstitucionalidade é manifesta no que se refere à causa de pedir. Na ação direta de inconstitucionalidade, a causa de pedir consiste na demonstração de incompatibilidade vertical entre a lei ou o ato normativo federal ou estadual e a Constituição Federal, ao passo que a petição inicial da ação declaratória de constitucionalidade deverá estar fundamentada na existência, objetivamente demonstrada, de controvérsia judicial relevante sobre a legitimidade constitucional da lei ou ato normativo federal questionado, que, por suas proporções e alcance, abale a presunção de sua constitucionalidade, além da fundamentação objetiva direcionada a demonstrar a sua compatibilidade com a Lei Fundamental.

Ademais, são opostos os pedidos nas duas ações: na ação declaratória de constitucionalidade, o pedido deve ser dirigido à declaração da constitucionalidade da lei ou ato normativo federal, enquanto na ação direta de inconstitucionalidade, o titular deve necessariamente postular na inicial a declaração judicial de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo federal ou estadual, sendo juridicamente impossível pedido, na inicial. dirigido à declaração da legitimidade constitucional da norma.

O art. 102Ia, da Constituição, literalmente, dá sentido restritivo e excepcional à ação declaratória de constitucionalidade, ao circunscrever seu objeto unicamente à "lei ou ato normativo federal", com exclusão implícita de lei ou ato normativo estadual. Essa exclusão também torna inquestionável a diversidade das duas ações, porque, se não fosse assim, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual em face da Lei Maior estaria compreendida na primeira parte do citado preceito constitucional, que trata da ação direta de inconstitucionalidade também para normas jurídicas estaduais.

É também em razão da diversidade substancial dessas ações que a autorização de que dispõem os Estados-membros para a criação da representação de inconstitucionalidade, constante da regra do art. 125, ,§ 2º, da Constituição Federal, não compreende nem se estende à ação declaratória de constitucionalidade.

Não se justifica a instituição da nova ação, por igual, com fundamento nos poderes concorrentes dos Estados ou sob invocação do princípio da simetria.

O controle incidental de constitucionalidade de leis e atos normativos é inerente à jurisdição conferida ao Poder Judiciário, pelo qual os juízes e tribunais podem afastar a aplicação de leis e atos normativos inconstitucionais nos casos concretos. Já o controle concentrado de constitucionalidade, em abstrato, de leis e atos normativos não decorre do poder conferido ao organismo jurisdicional de aplicação das normas jurídicas aos casos concretos, próprio do controle difuso.

As ações de controle concentrado de normas constituem instrumentos excepcionais de defesa da ordem jurídica constitucional e, por isso mesmo, a instituição dessas ações depende de disposição expressa na Constituição Federal, bem assim a definição de seu objeto e dos legitimados ativos, além da atribuição de jurisdição especial ao Supremo Tribunal Federal ou aos Tribunais de Justiça, conforme o caso, que são os órgãos de cúpula do Poder Judiciário, no âmbito federal e estadual, respectivamente.

Todas essas matérias são de natureza processual que são definidas diretamente na própria Lei Fundamental, ou em lei federal, porque são da privativa competência legislativa da União (CF/88, art. 22I).

A instituição da ação declaratória de constitucionalidade no âmbito dos Estados-membros é manifestamente inconstitucional. As decisões dos Tribunais de Justiça proferidas nessas ações afastariam a incidência das regras da Constituição Federal e das leis federais concernentes à jurisdição e à competência dos órgãos do Poder Judiciário no controle incidental de constitucionalidade de leis e atos normativos, afrronmtando os arts 125 e 22I, da Constituição Federal. Constituiria instrumento inédito de controle em abstrato de constitucionalidade de normas jurídicas estaduais e municipais, ampliando a jurisdição excepcional dos Tribunais de Justiça, para atuação como Corte Constitucional, além dos limites autorizados no art. 125 e seu § 2º da Constituição Federal .

A competência legislativa dos Estados-membros e dos Municípios é definida e delimitada na Constituição Federal, de maneira que a desconstituição de leis e atos normativos estaduais e municipais só pode ser validade estabelecida no próprio Texto Fundamental. A instituição dessa ação na Constituição do Estado-membro, atribuída à competência do Tribunal de Justiça, portanto, afrontaria a autonomia municipal (CF/88, arts. 29 e 30), porque importaria em admitir nova modalidade de controle concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos dos Municípios, fora das hipóteses contempladas na Constituição Federal.

Seria também afrontosa ao princípio da separação dos Poderes (CF/88, art. ), porque, à revelia do Texto Fundamental, teria atribuído ao Tribunal de Justiça o poder de declarar a inconstitucionalidade e, assim, de desconstituir leis e atos normativos editados pelos Poderes Executivo e Legislativo dos Estados e dos Municípios (CF/88, arts. 2930 e 125).

No âmbito do controle de constitucionalidade de normas, as atividades do Ministério Público Estadual abrangem o controle difuso de constitucionalidade de leis e atos normativos da União, dos Estados e dos Municípios, em face da Constituição Estadual ou da Federal, e o controle concentrado, na representação de inconstitucionalidade de leis e atos normativos estaduais e municipais em face da Constituição Estadual. Essa atuação não compreende, porém, a ação declaratória de constitucionalidade, que não pode ser validamente instituída na esfera estadual.


[1] Dispõe o art. 103 da Constituição Federal de 1988. na redação da EC nº 45/2004:

"Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

I – o Presidente da República;

II – a Mesa do Senado Federal;

III – a Mesa da Câmara dos Deputados;

IV – a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal;

V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;

VI – o Procurador-Geral da República;

VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;

VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;

IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional".

[2] ADI 807-2/RS (QO), Relator: Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 27-05-1993, DJ 11-06-1993, p. 11.529, e RTJ 150-01, p. 54. Note-se, porém, que, no caso específico dessa ação direta de inconstitucionalidade, o Governador do Estado figurava como órgão requerido e, portanto, como legitimado passivo, Destacou, por isso, o Relator que não foi possível o reconhecimento de litisconsórcio ativo, porque o órgão estatal ocupante do polo passivo da relação processual não podia ostentar simultaneamente a condição de litisconsorte ativo no processo de controle concentrado abstrato de constitucionalidade de normas..

[3] Observa, nesse sentido, Dirley da Cunha Jr.: "Diante disso, quanto à formação de litisconsórcio ativo, na ação declaratória de constitucionalidade, é possível estabelecer as seguintes regras: (i) dois legitimados universais sempre poderão formar litisconsórcio ativo; (ii) sempre poderá haver a formação de litisconsórcio entre um legitimado universal e um legitimado especial; e (iii) somente poderá haver a formação de um litisconsórcio entre dois legitimados especiais se ambos demonstrarem pertinência temática acerca da matéria discutida na demanda" (Controle de Constitucionalidade: teoria e prática, 4ª ed. Salvador: Editora JusPodVm, 2014, p. 181).

Em face da orientação firmada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, destaca o Autor os dois tipos de legitimados para a propositura da ação direta de inconstitucionalidade e, portanto, também para a ação declaratória de constitucionalidade: a) os legitimados universais, que não precisam satisfazer o requisito da pertinência temática (...): "o Presidente da Republica, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos Deputados, o Procurador-Geral da Republica, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o partido político com representação no Congresso Nacional, e b) os legitimados não universais ou especiais, que necessitam demonstrar o interesse de agir, ou seja, a adequação temática, são eles: Governador do Estado, Mesa da Assembleia Legislativa, a confederação sindical e as entidades de classe de âmbito nacional.” (ob. cit., p. 193).

[4] Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-DF (QO), Relator Ministro Moreira Alves, Revista Trimestral de Jurisprudência vol. 157, p. 371-411.

[5] Reprodução do parecer que proferi pela Procuradoria Geral da República na ADC nº 1-1 DF (QO), acórdão publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência vol. 157, p. 376.. Nessa parte, fundamentou-se o parecer na doutrina sobre o assunto (Gilmar Ferreira Mendes, Controle de constitucionalidade - Aspectos Jurídicos e Políticos. São Paulo: Saraiva, 1990, invocando a doutrina germânica, p. 249-261, e José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da onstituição, 7ª ed. Coimbra: Almedina , 2008, p. 812).

[6] No julgamento da mesma ADC 1-1 DF (QO), na linha do voto do Relator, Ministro Moreira Alves, afirmou o Ministro Sepúlveda Pertence a função preponderantemente política do Supremo Tribunal Federal no controle de constitucionalidade em abstrato de normas, mas julgou conveniente"a criação de oportunidades à contradição dialética de argumentos para propiciar decisão mais amadurecida do Tribunal", acrescentando que a"... a solução adequada a assegurar o contraditório (...) é permitir a intervenção para contrariar o pedido de declaração de constitucionalidade, de quantos estejam legitimados para propor a ação direta de inconstitucionalidade da mesma norma"(RTJ 157, p. 390). Nesse sentido votaram os Ministros Ilmar Galvão, Carlos Veloso e Marco Aurélio.

[7] O Ministro Francisco Rezek observou que o imperativo da preexistência de controvérsia pretoriana travada em foros diversos, envolvendo um confronto contraditório em cada um desses feitos, e soluções desencontradas sobre a questão jurídica é o bastante para que o Supremo Tribunal Federal tenha conhecimento da amplitude da polêmica sobre a questão jurídica constitucional. Identicamente, o Ministro Sidney Sanches considerou desnecessária a convocação ou intimação dos legitimados ativos da ação direta de inconstitucionalidade, lembrando que" nada obsta que proponham essa ação, de maneira que a tese, por eles sustentada, possa ser examinada em conjunto pela Corte ", Atuariam, assim, por meio de ação, e não de exceção". Acrescentou que, sendo imprescindível a comprovação de existência de decisões antagônicas na nova ação, "nelas se poderá encontrar a essência do dissídio judiciário sobre a validade da norma. E, assim, não deixará esta Corte de estar informada dos fundamentos das posições divergentes". (ADC 1-1 DF (QO), RTJ 157, p. 392)

8 Assinalou a respeito o Relator, Ministro Moreira Alves, na ADC 1 - QO (RTJ 157, p. 386):

"Não sendo indispensável em processo objetivo que haja legitimado passivo para contestar a ação, parece que só a lei poderá, para a colheita de mais alegações (ou para o fortalecimento das já conhecidas), em favor da inconstitucionalidade do ato normativo em causa, determinar que todos os legitimados para propor ação direta de inconstitucionalidade (...) possam intervir no processo relativo à ação declaratória de constitucionalidade. Essa disciplina é eminentemente processual e, na falta de norma referente a processo objetivo, que possa ser aplicada por analogia, depende ela de norma legal que razoavelmente a regule, estabelecendo os direitos e deveres processuais desses intervenientes".

[9] A respeito, assinala Alexandre de Moraes (Direito Constitucional, 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 317):

"Em razão dessa legitimação mais ampla, muitas das ações diretas de inconstitucionalidade haviam de ser ajuizadas por outros legitimados, além do Procurador-Geral da República, como efetivamente veio a ocorrer. Nesses casos, a defesa da ordem jurídica constitucional, que constitui incumbência fundamental do Ministério Público (CF/88, art. 127), é assegurada pela exigência de manifestação prévia do Procurador-Geral da República, estabelecida na regra do § 1º do citado art. 103, primeira parte, da Lei Maior, segundo a qual"o Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal".

[10] Barroso, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6ª ed., rev. e atual. São Paulo : Editora Saraiva. 2012, p. 262-263

[11] O teor da Justificativa da Proposta, de que resultou a EC nº 3/93, consta do voto do Ministro Moreira Alves, Relator da ADC 1-1 DF (RTJ 157, p 380-381.

[12] Reprodução do texto do parecer que proferi pela PGR na ADC 1-1 DF (QO), RTJ 157, p 374.

[13] Reprodução do texto do parecer que proferi pela PGR na ADC 1-1 DF (QO), RTJ 157, p. 374.

[14] Reprodução do parecer que proferi pela PGR na ADC nº 1-1 -DF (QO), RTJ 157, p. 375.

[15] Reprodução do parecer que proferi pela PGR na ADC 1-1 DF (QO), RTJ 157, p. 375-376.

[16] Reprodução do parecer que proferi pela PGR na ADC 1-1 DF (QO), RTJ 157, p. 372.

[17] Mendes, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco - 9. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1.164-1.165):

[18] Assinala Zeno Veloso:"As Constituições Estaduais podem prever a ação de inconstitucionalidade -- inclusive por omissão, como vimos acima -- e, até, pelo princípio da simetria, podem estabelecer a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da Constituição Estadual. (...) Como ensina Gilmar Ferreira Mendes, não há dúvida de que a ação declaratória de constitucionalidade tem a mesma natureza da ação direta de inconstitucionalidade, sendo aquela, efetivamente, nada mais do que uma ação direta de inconstitucionalidade com o sinal trocado e, do ponto de vista ontológico, não há como diferençar uma da outra, configurando as duas ações espécies do gênero controle abstrato de normas"(Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, 3. ed./ rev., atual. e ampl. - Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2003, p. 345).

Oswaldo Luiz Palu anota a respeito:"Instituto reconhecido no processo civil e não infenso ao processo constitucional, a ação direta de inconstitucionalidade e a declaratória de constitucionalidade são ações fungíveis, ou seja, o juiz pode tomar uma providência jurisdicional que seria solicitada em outra. Basta que se observe o art. 102I e § 2º, da Constituição do Brasil e o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal para chegar à conclusão da fungibilidade das ações declaratória de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade. O pedido é sempre o de proteção da ordem constitucional, mas a providência concreta pode variar"(Controle de Constitucionalidade - Conceitos, sistemas e efeitos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 227)

[19] Dispõe o art.  da Lei n.9.868/1999:"O relator pedirá informações aos órgãos ou às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado".

[20] Acentuou nesse sentido o Ministro Moreira Alves, Relator de ADC nº 1-1 - DF (RTJ 157, p 383):

"Igualmente, com relação ao sujeito passivo, sua ausência não descaracteriza a ação direta de inconstitucionalidade . Ela pode decorrer da dispensa do pedido de informações ao Poder ou órgão de que emana o ato normativo, dispensa essa que é admitida pelo Regimento Interno deste Tribunal (art. 170, § 2º, e art. 172), como também, nessa ação, podem ocorrer hipóteses em que os legitimados ativo e passivo se confundem, o que implica, em última análise, a inexistência de legitimado passivo".

[21] Reprodução de trecho do parecer que proferi pela PGR na ADC nº 1-1 DF (QO), RTJ 157, p. 377-378.

[22] ADC nº 1-DF (QO), RTJ 157, p. 385-386.

[23] Dispõe o art. 14III, da Lei 9.868/99:"Art. 14 - A petição inicial indicará: (...) III - a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória".

[24] Este o teor da observação de Luiz Roberto Barroso (O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 6ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p.264):

"Pressuposto do cabimento da ação é que exista controvérsia relevante acerca da constitucionalidade de determinada norma infraconstitucional federal. Essa divergência deverá ser judicial, e não apenas doutrinária. O requisito da divergência judicial relevante já havia sido estabelecido em precedente jurisprudencial e foi ratificado com a superveniência da Lei 9.868/99. Com ele se afasta a objeção de que o Tribunal estaria desempenhando uma função consultiva ou homologadora da legislação, em violação ao princípio da separação dos Poderes. De fato, dentro das características peculiares à jurisdição abstrata e ao processo objetivo, a decisão terá por finalidade harmonizar a aplicação do direito aos casos concretos. A exigência do dissenso se justifica, ainda, em razão da presunção de constitucionalidade que acompanha os atos emanados do Poder Público. Tal presunção tem a função instrumental de garantir imperatividade a autoexecutoriedade desses atos. Logo, somente diante de fundada ameaça à segurança jurídica e à isonomia decorrente de decisões contraditórias, é que haverá interesse em agir e estará legitimada a intervenção do STF".

[25] Pondera, na mesma linha, Alexandre de Moraes (Direito Constitucional, 32ª ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2016, p. 819):

"Somente poderá ser objeto de ação declaratória de constitucionalidade a lei ou ato normativo federal, sendo, porém, pressuposto para o seu ajuizamento a demonstração, juntamente com a petição inicial, de comprovada controvérsia judicial que coloque em risco a presunção de constitucionalidade do ato normativo sob exame, a fim de permitir ao Supremo Tribunal Federal o conhecimento das alegações em favor e contra a constitucionalidade, bem como o modo pelo qual estão sendo decididas as causas que envolvem a matéria.

A comprovação da controvérsia exige prova da divergência judicial, e não somente de entendimentos doutrinários diversos (...) pois, como afirmado pelo Ministro Néri da Silveira: "não se trata de consulta à Suprema Corte, mas de ação com decisão materialmente jurisdicional, impõe-se à instauração sob exame, que se faça comprovada, desde logo, a existência de controvérsia em torno da validade ou não da lei ou do ato normativo federal".

[26] É este o teor da ementa do acórdão proferido pelo Plenário do STF na Reclamação nº 849-DF, Relator Ministro Adalício Nogueira, julgada em 10/3/1971 e publicada em 09/12/1971:

"Reclamação. Desprezada a preliminar de seu não conhecimento, por maioria de votos, deu-se, no mérito, pela sua improcedência, ainda por maioria, visto caber ao Dr. Procurador-Geral da República a iniciativa de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal a representação de inconstitucionalidade. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que se harmoniza com esse entendimento".'

[27] A EC nº 16, de 1965, inseriu na competência originária do Supremo Tribunal Federal o processo e julgamento da "representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República", à semelhança do estabelecido no tocante à ação interventiva;

[28] Assinalou a respeito o Ministro Relator (RTJ 129, p. 53):

"Ainda pelo Regimento de 1970, certamente impressionada a Corte pelo disposto nas Leis nºs 4.337/64 e 5.778, de 16-5-72, mas que tratavam apenas de representação interventiva, era admitida a possibilidade de o Procurador-Geral da República, entendendo improcedente, embora, a fundamentação da súplica, encaminhá-la com parecer contrário. Entretanto, tal possibilidade foi expressamente eliminada a partir do Regimento Interno desta Corte de 1980, pondo-se ele, a meu ver, estritamente de acordo com os preceitos constitucionais que cuidam da matéria, já não figurando o oferecimento de representação em relação à qual houvesse manifestação inicial da Procuradoria-Geral da República, sustentando a constitucionalidade de lei ou ato federal ou estadual. Assim o § 1º do art. 174, que previa tal possibilidade, a meu ver, em desarmonia com a letra l, do inc. I, do art. 119 da CF, não mais figura no texto do Regimento Interno atual, o de 1980, que, bem espelhando o disposto no artigo no mencionado preceito da Lei Maior, estipula em seu art. 169:

"O Procurador-Geral da República poderá submeter ao Tribunal, mediante representação, o exame de lei ou ato normativo federal ou estadual, para que seja declarada a sua inconstitucionalidade".

[29] Barroso, Luiz Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 6. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2012, p. 258-259. Em nota de rodapé, invoca o Autor a seguinte observação precisa de Jorge Miranda:"A declaração de não constitucionalidade não tem,na generalidade dos países, qualquer eficácia. Quando muito produz caso julgado formal relativamente ao respectivo processo de fiscalização. Ao Tribunal Constitucional ou a órgão homólogo compete declarar -- e somente lhe pode ser pedido que declare -- a inconstitucionalidade, não a constitucionalidade"(Manual de Direito Constitucional, t.. 6, 2001, p.72).

[30] Ainda sobre a participação do MP no processo, assinala Luiz Roberto Barroso (Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 265):

"A petição inicial deverá indicar o dispositivo questionado, expondo o pedido, com suas especificações, e demonstrando a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da norma objeto da ação (art. 14). Deverá ser apresentada em duas vias, contendo cópia do ato normativo questionado e dos documentos necessários à comprovação da procedência do pedido (...) Se a petição inicial for inepta , não fundamentada ou manifestamente improcedente, será liminarmente indeferida pelo relator, cabendo agravo dessa decisão (art. 15 e parágrafo único)".

[31] ADC nº 4-6 DF (Medida Cautelar), Relator Ministro Sidney Sanches, julgada em 11.02.98 e publicada no DJU de 21.05.99.

[32] Sobre a tutela cautelar, anotou o Ministro Teori Albino Zavascki, em obra doutrinária (Antecipação de Tutela, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 58):

"O fundamento legal do poder geral de cautela nasce não propriamente do art. XXXV, da Constituição, como tutela preventiva, mas do sistema constitucional organicamente considerado: configurados, como se configuram na realidade prática, fenômenos de colisão entre segurança jurídica e efetividade da jurisdição, tornar-se-á inafastável a necessidade de formular solução harmonizadora, tarefa que, na omissão da lei, deve, por imposição do sistema constitucional, ser assumida necessariamente pelo juiz.

"Levando-se em consideração que a ADC consiste em um processo objetivo, que visa resguardar a ordem jurídica constitucional, transformando a presunção relativa de constitucionalidade de normas em presunção absoluta, resta inequívoca a necessidade de que seja assegurada a possibilidade de medida cautelar no seu processamento. Isto porque a existência de controvérsias jurisprudenciais em controle difuso de normas acabaria por comprometer a ordem jurídica constitucional, haja vista a possibilidade de grande insegurança jurídica paras os jurisdicionados".

[33] Este o teor do § 1º do art. 103 da Constituição"O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal Federal".

[34] Anota Zeno Veloso a respeito: "Na ação declaratória de constitucionalidade, é necessária a intervenção do Procurador-Geral da República, já que o Ministério Público, como custos legis, deve participar de todos os processos constitucionais (CF, arts. 103§ 1º, e 127, caput)" (Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, ob. cit. 2003, p. 290).

[35] Mendes, Gilmar Ferreira: 1 - Curso de Direito Constitucional, ob.cit., p.1.165:. e 2 - O poder executivo e o poder legislativo no controle de constitucionalidade. Material da 4ª aula da Disciplina de Direito Constitucional: Noções fundamentais, ministrada no Curso de Especialização TeleVirtual em Direito Constitucional – UNISUL – IDP - REDE LFG, p. 28.

[36] Na mesma linha, dentre outros, assinala Zeno Veloso:: "As Constituições Estaduais podem prever a ação de inconstitucionalidade -- inclusive por omissão, como vimos acima -- e, até, pelo princípio da simetria, podem estabelecer a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da Constituição Estadual" .(Controle Jurisdicional de Constitucionalidade, 3. ed./ rev., atual. e ampl. - Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2003, p. 345).

[37] E completa o Autor (Direito Constitucional, 32ª ed.. rev. e atual. São Paulo, Atlas, .2016, p. 317-318):

Assim desde que seguissem o modelo federal, nada estaria a impedir que o legislador constituinte reformador estadual criasse por emenda constitucional uma ação declaratória de constitucionalidade de lei ato normativo estadual, em face da Constituição Estadual, a ser ajuizada no Tribunal de Justiça e tendo como colegitimados, em virtude da EC nº 45/04, os respectivos estaduais, para os colegitimados do art. 103 da CF, para a ação direta de inconstitucionalidade".

[38] Barroso, Luiz Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 6ª ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 261. Em nota de rodapé, anota o Autor:

"Nesse sentido Nagib Slaibi Filho. Ação declaratória de constitucionalidade, 1988, p. 75: Regina Maria Macedo Nery Ferrari, Controle de constitucionalidade das leis municipais, 2003, p. 153-4, Alexandre de Moraes, Direito constitucional, 2001, p. 264 (...)".

Após aludir à regra constitucional que restringe o objeto da ação declaratória de constitucionalidade à lei ou ato normativo federal (art. 102, I, a), assinala o mesmo em. Autor, em outra passagem (ob. cit., p. 263-264):

"Tal como no tocante à legitimação, também aqui a opção foi restritiva, com exclusão das normas estaduais. Sem prejuízo, todavia, como já assinalado, de o Estado-membro, no exercício de sua autonomia política e observado o modelo federal, instituir uma ação análoga, com tramitação perante o Tribunal de Justiça, tendo por objeto lei estadual ou municipal e como paradigma a Constituição do Estado".

[39] Assinala o Autor (Controle de Constitucionalidade Estadual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 16):

"Nesses termos, não se pode deixar de reconhecer, é verdade, que as normas da CF que estabelecem a chamada repartição constitucional de competências abrigam, em última análise, limites implícitos aos entes federativos, na medida em que, descrevendo os poderes atribuídos a cada qual, acaba por revelar, implicitamente e por exclusão, o que é vedado aos demais."

(...)

Conforme se observa, as normas de competência, embora não sejam o único exemplo, revelam regra jurídica implícita limitadora da autonomia estadual, quando excluem do âmbito de competência do Estado-membro as matérias confiadas aos demais entes federativos ".

Em outra passagem, reafirma o Autor (Controle de Constitucionalidade, cit., p. 27):

"Cabe apontar a existência de normas constitucionais federais cujo âmbito de incidência é restrito, não se aplicando a disciplina por elas estabelecida às matérias de teor idêntico que eventualmente sejam tratadas na Constituição Estadual. Trata-se de normas de observância obrigatória, de caráter implícito e vedatório (...). cuja peculiar estrutura normativa sugere que o seu tratamento seja feito neste tópico apartado.

Em relação a tais normas, não só não se aplicam aos Estados-membros, como também a estes é vedado que adotem em suas Constituições normas de teor formal ou materialmente idêntico. Porque representam, via de regra, exceção a princípios constitucionais de observância obrigatória para os Estados, a destinação de tais normas aos órgãos e entes da União não autoriza a extensibilidade da disciplina oferecida pela Constituição Federal, em caráter excepcional, também aos organismos e entidades estaduais".

39 José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo, 39ª ed. rev. e atual. até a Emenda Constitucional n. 90, de 15.9.2015. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 61.

[41] Alfredo Buzaid. Da Ação Direta de Declaração de Inconstitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958, p. 39. A suspensão da execução da lei ou do ato normativo, com eficácia erga omnesdepende de resolução do Senado Federal, após decisão do STF que tenha declarado a inconstitucionalidade, como refere o mesmo Autor:

"A partir da Constituição de 1934, os textos constitucionais atribuíram competência ao Senado Federal para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal nesses litígios concretos, com a finalidade de conferir efeitos erga omnes a essas decisões da Suprema Corte".

[42] Invocando Pontes de Miranda, assinalou, a respeito, Gilberto Quintanilha Ribeiro, então Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, em pronunciamento na Representação de Inconstitucionalidade 261.928-SP (Ação Direta de Controle da Constitucionalidade de leis Municipais, em tese. PGJ. São Paulo: Centro de Estudos, 1979, p. 39):

"(...) o controle direto é expediente particular do exercício de jurisdição; contudo, não decorre conceitualmente da função estatal de aplicação das normas jurídicas às situações que se apresentem, pois, no plano da Teoria Geral do Direito e do Estado, a técnica da justiça é perfeitamente separável da técnica de resguardo da estrutura estatal e da técnica de defesa da Constituição (cf., a propósito, Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1967, Revista dos Tribunais , São Paulo, 1967, tomo I, p. 396). Por isso, para que seja possível, há de prevê-lo a Constituição, ou a lei, cuja promulgação a Constituição autorize".

Identicamente, observa Léo Ferreira Leoncy (Controle de Constitucionalidade Estadual. São Paulo: Editora Sarava, 2007, p. 83 ) que"a supremacia da Constituição Estadual é um princípio constitucional estabelecido inerente ao Estado federal brasileiro". E acrescenta:

"Não obstante, por mais que se reconheça que a supremacia da Constituição Estadual, constitui um pressuposto para a instituição de um controle abstrato de normas destinado a eliminar do ordenamento as leis e atos normativos a ela subordinados e com ela incompatíveis, tal supremacia não configura um elemento que por si só autorize a instituição desse controle.

A competência para criar instrumentos de fiscalização abstrata de constitucionalidade de normas no âmbito estadual não decorre, assim, da simples outorga aos Estados-membros de um poder constituinte decorrente por meio do qual estes entes adotem para si um documento constitucional de valor superlegislativo".

[43] Dispõe o § 2º do art. 102 da Constituição Federal:"As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal,nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, produz eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo".

A Lei 9.868, de 10/11/1999, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, por igual, estabelece no parágrafo único do art. 28: ."A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal".

[44] A respeito do conceito de autonomia, conclui Machado Horta:"A autonomia é, portanto, a revelação da capacidade para expedir as normas que organizam, preenchem e desenvolvem o ordenamento jurídico dos entes públicos. (...) A autonomia não é conceito metajurídico ou inapreensível ao conhecimento jurídico. O cosmo jurídico é o cenário de sua atividade normativa. A relação necessária entre a autonomia e a criação de normas próprias, para constituir ordenamento típico, é suficiente para justificar a noção jurídica de autonomia"(Horta, Raul Machado, Direito Constitucional, 4ª ed., rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2003., p. 363-364):

[45] Horta, Raul Machado.,Direito Constitucional, ob. cit. p.351.

A repartição de competências -- salienta Raul Machado Horta -- é" responsável pela definição constitucional do campo próprio de cada ordenamento ", esclarecendo, em outra passagem, que a repartição de competências," pela sua abrangência, ultrapassa o campo da organização da União/Federação, para alcançar os Estados, o Distrito Federal e os Municípios ". E prossegue:"Constituição Federal dirá onde começa e onde termina a competência da Federação. Onde se inicia e onde se acaba a competência do Estado-Membro, A relação entre Constituição Federal e repartição de competências é uma relação causal, de modo que, havendo Constituição Federal, haverá necessariamente repartição de competências dentro do próprio documento de fundação jurídica do Estado Federal. Por isso, a repartição de competências é tema central da organização federal"(...) (Direito Constitucional, ob. cit., p. 348 e 342).

[46] Trecho do voto do Ministro Moreira Alves no RE 91.740-RS, Relator Ministro Xavier de Albuquerque, julgado em 12/03/80, RTJ 93/461-2).

[47] No RE n. 91.740-3-RS (Relator Ministro Xavier de Albuquerque, julgado em 12/03/80, RTJ 93/461), o Plenário do STF fixou orientação no sentido assim resumido na ementa do acórdão:

"Arguição de inconstitucionalidade, em tese, por contrariedade à Constituição Federal de lei ou ato normativo municipal, mediante representação do Chefe do Ministério Público local ao Tribunal de Justiça do Estado. Sua inadmissibilidade. Recurso extraordinário conhecido, pela letra c, e parcialmente provido para julgar-se o recorrente carecedor da representação".

Essa doutrina prevaleceu em outros precedentes do Tribunal Pleno (RE 93.088-SP, Relator Ministro Soares Muñoz, DJU de 22.06.1981; RE 92.169 - SP, Relator Ministro Cunha Peixoto, DJU 18.12.1981; RE 94.039-SP, Relator Ministro Moreira Alves, DJU de 18.09.1981; e RE 87.484-4-RS, Relator Ministro Néri da Silveira, DJU de 15.06.1984).

Este último julgado (RE 87.484-4-RS) traz a seguinte ementa:

"Representação. Ação direta de inconstitucionalidade de normas da Lei Orgânica do Município, em face da Constituição Federal, proposta pelo Procurador-Geral de Justiça do mesmo Estado. Orientação assentada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no sentido da impossibilidade jurídica do pedido. Não há ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, frente à Constituição Federal. Precedentes do STF. Recurso extraordinário conhecido e provido, em parte, para declarar-se extinto o processo (CPC, art. 267, VI)".

O mesmo entendimento foi reafirmado no regime da Constituição vigente em vários julgados, entre os quais o proferido na ADIMC 409/DF, sob a relatoria do Ministro Celso de Mello (DJ de 15.03.1991). O teor da ementa da decisão de mérito dessa mesma ação direta (ADIn n. 409-3/DF, DJ de 26.04.2002) de que foi Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, resume a copiosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na matéria:

"Controle abstrato de constitucionalidade de leis locais (CF, art. 125§ 2º): Cabimento restrito à fiscalização da validade de leis ou atos normativos locais -- sejam estaduais ou municipais --, em face da Constituição estadual: invalidade da disposição constitucional estadual, que outorga competência ao respectivo Tribunal de Justiça para processar e julgar ação direta de inconstitucionalidade de normas municipais em face também da Constituição Federal: precedentes."

Citem-se ainda na mesma linha: ADIn 347-0-SP, Relator Ministro Joaquim Barbosa, DJ de 20.10.2006, onde são referidos os seguintes precedentes: ADIn 209, Relator Ministro Sydney Sanches, DJ de 11.09.1998, ADIn 508-MG, Relator Ministro Sidney Sanches, DJ de 23,05.2003, (RTJ 136/1.062); ADIn 699-MC, Relator Ministro Octavio Gallotti, DJ de 24.04.1992, RTJ 141/424; Recl. 337, Relator Ministro Paulo Brossard, DJ de 19.12.1994, RTJ 133/551, e ADInMC 347, Relator Ministro Moreira Alves, DJ de 26.10.1990..

[48] No julgamento da Reclamação nº 383-SP, de que foi Relator o Ministro Moreira Alves, o Supremo Tribunal Federal, definiu orientação no sentido de que as normas das Constituições Estaduais, que reproduzem obrigatoriamente normas da Constituição Federal, servem de parâmetro para o controle abstrato de constitucionalidade estadual perante o Tribunal de Justiça, alterando, assim, o entendimento firmado na Reclamação nº 370, relatada pelo Ministro Octavio Gallotti, de que a incompatibilidade de lei ou ato normativo com essas regras das Cartas Estaduais traduziria, na realidade, violação da norma constitucional de observância obrigatória.